A quixotesca luta da esquerda para associar Bolsonaro ao nazismo

Militantes de esquerda utilizam a falácia para atacar adversários, prática que configura crime de injúria, segundo advogados.

Por: David Ágape
07, ago. de 2023 às 12:55
A quixotesca luta da esquerda para associar Bolsonaro ao nazismo
Foto: Reprodução

O Holocausto é, certamente, um dos mais brutais genocídios da história da humanidade. O ditador Adolf Hitler, na busca de realizar a “limpeza étnica” da Alemanha, foi responsável diretamente pela morte de pelo menos seis milhões de judeus em campos de concentração e em assassinatos em massa. A extensão da crueldade perpetrada pelo nacional-socialismo e pelo fascismo – seu antecessor ideológico – é tal que os termos se tornaram sinônimos de extrema inumanidade, levando a uma aversão profunda da sociedade por essas ideologias, mesmo que pequenos grupos continuem a expressar nostalgia por essa era sombria.

Por este motivo, em discussões, quando pessoas desejam exagerar o caráter maléfico de algo, fazem comparações com o nazismo. Este artifício retórico, carregado de forte peso emocional e desviando o debate racional para uma resposta mais visceral, é conhecido como "Reductio ad Hitlerum", termo cunhado pelo filósofo político germano-americano de origem judaica Leo Strauss em 1950. Esta falácia descarta um argumento simplesmente por ter uma associação, por mais tênue que seja, com Hitler ou os nazistas. E há ainda uma variante desta prática, a “Lei de Godwin”, que sugere: "quanto mais longa a discussão na internet, maior a probabilidade de surgir uma comparação com os nazistas ou com Hitler”.

No Brasil, onde a apologia ao nazismo é crime desde 1989, esse expediente tem sido usado pela esquerda há anos para atacar e desumanizar adversários. Até mesmo o atual vice-presidente do petista Luís Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin, já foi rotulado de nazista na época em que fazia parte do PSDB, em charges do cartunista Latuff — curiosamente, Latuff retratou, em 2022, os tucanos em uma aliança com o PT “contra o fascismo”. Contudo, com a ascensão do bolsonarismo nos últimos anos, este recurso se tornou ainda mais comum, e até mesmo a imprensa se envolveu em ataques infundados, mesmo que estes relativizem o horror do Holocausto.

O deputado federal André Janones (Avante-MG), expoente máximo da militância de esquerda rasteira e baixa, está em uma cruzada para criminalizar o bolsonarismo no Brasil sob a justificativa de que este é a mesma coisa que o nazismo. Outra desculpa são os ataques realizados em escolas brasileiras e que, em alguns dos casos, houve referências ao nazismo. Esta semana, Janones recebeu críticas do jornalista americano Glenn Greenwald, que em artigo publicado neste sábado (5), no jornal Folha de São Paulo, acusou o deputado de explorar grotescamente a memória do Holocausto para criminalizar bolsonarismo durante uma “turistada” em Auschwitz e outros locais ligados ao Holocausto.

“Não há no mundo um país democrático que tenha proibido criminalmente um partido ou movimento político apoiado por cerca de metade da população. Por definição, qualquer país que fizesse isso deixaria de ser democrático, escreveu Glenn.

Para o perfil “Fascismo Freestyle”, que se dedica no Twitter a criticar as diversas acusações infundadas de nazismo, o termo tem perdido força devido ao seu uso sem critério. Ao mesmo tempo em que desrespeita as vítimas das barbaridades feitas por quem seguia essa ideologia, camufla o verdadeiro discurso eugenista, genocida e extremista, pois a denúncia perde credibilidade. O perfil alerta ainda que esta é uma estratégia coordenada de assassinato de imagem política e que, com a perda dos direitos políticos de Bolsonaro, a próxima vítima será o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (NOVO), nome mais forte na direita para as eleições de 2026. Em julho deste ano, Zema citou Mussolini em uma publicação na internet, mas em uma evidente crítica à fala. Mesmo assim, foi acusado de ser fascista.

Segundo o advogado Mizael Izidoro Bello, a falsa acusação de nazismo pode, dependendo da maneira como é feita, configurar um crime contra a honra. Além disso, a pessoa injustamente acusada tem o direito de buscar indenização pelos danos causados pela imputação falsa, inclusive danos morais.

“A pessoa prejudicada pode exigir que o ofensor faça uma retratação pública e pode recorrer ao Juizado Especial para fazer valer seus direitos, sem necessidade de um advogado”, diz o advogado, acrescentando que se encontra em processo de análise no Congresso Federal o Projeto de Lei n.º 254/2022, que tem como objetivo tornar a falsa imputação de nazismo um crime, sujeito a uma pena de reclusão de dois a cinco anos.

O advogado Eduardo Cabette, professor de Direito, Legislação e Processo Penal, Mestre em Direito Social e delegado de polícia aposentado, explica que rotular alguém falsamente como "nazista" ou "fascista" configura um crime de injúria, já se a pessoa acuse falsamente de fazer algum gesto ou alguma apologia do nazismo, incorre no crime de calúnia. Quando essas acusações são feitas online, a pena triplica.

Ele explica a diferença entre injúria, calúnia e difamação: “enquanto a injúria envolve ofensas sem a descrição específica de um ato, a calúnia requer uma narração detalhada de um fato concreto relacionado à pessoa em questão. Por exemplo, em vez de simplesmente acusar alguém de ser ladrão, seria necessário fornecer detalhes sobre quando, onde e como a suposta ação ocorreu. A difamação é a mesma coisa da calúnia, só que não precisa ser crime; basta ser uma conduta infamante.

A pessoa que foi difamada de forma online terá que tirar prints destas publicações e ir até um cartório fazer a “ata notarial”, documento aceito judicialmente nestes casos. A vítima terá que contratar advogado para abrir um processo criminal, cabendo também indenização por dano moral na área cível.

Desumanização

“Não eram homens, eram fascistas”, é uma frase do filme A Batalha de Sevastopol (2015), proferida pela personagem Lyudmila Pavlichenko, sniper ucraniana que atuou pelo exército soviético durante a Segunda Guerra Mundial e a quem são atribuídas as mortes de 309 soldados nazistas. A fala, que viralizou em forma de meme, é utilizada para concluir: nazistas não são humanos e quem não é humano não merece usufruir de direitos humanos. Portanto, se alguém é nazista, não é humano e merece a morte. Com esse discurso, o “humorista” Thiago Santinelli tem promovido o seu show “Antipatriota” no Brasil com cartazes em que aparece segurando uma faca, com sangue escorrendo em forma de suástica. Santinelli também apareceu em um vídeo onde um “sósia” de Luciano Hang, dono das Lojas Havan e apoiador de Bolsonaro, era assassinado a pauladas. O humorista também protagonizou um episódio inusitado: enquanto se apresenta como “caçador de fascistas” em seus shows, durante um voo teve que se sentar ao lado do deputado Marcel Van Hatten (NOVO). Ao invés de tomar alguma atitude, Santinelli se limitou a publicar uma foto no Twitter com a legenda: “se você acha que seu dia começou ruim, saiba que estou indo viajar ao lado de um deputado do partido novo”. Outro que promoveu ataques foi o escritor Anderson França, que escreveu em sua coluna na Folha de São Paulo, em janeiro de 2020, um artigo acusando as cantoras sertanejas Maiara e Maraísa de serem nazistas por não se posicionarem com firmeza politicamente. O texto era ilustrado por um desenho em que as cantoras apareciam vestindo abraçadeiras com suásticas. Mesmo que tenha defendido no passado uma “frente ampla” entre a militância de esquerda e o crime organizado, em 2018 Anderson se “autoexilou” na Europa após supostas ameaças recebidas via internet. Na época, o acusado de realizar essas ameaças já estava preso, condenado a mais de 40 anos por ameaças, porte de imagens de pedofilia e racismo.

Outra que se autoexilou após supostas ameaças foi a escritora petista Marcia Tiburi, autora de “Como Conversar com Um Fascista” e “Como Derrotar o Turbotecnomachonazifascismo”. Em janeiro de 2018, Tiburi abandonou um programa de rádio ao ser surpreendida pela entrada do deputado Kim Kataguiri para um debate, dizendo que “não fala com pessoas indecentes e perigosas”. A escritora Michele Prado, autora do livro "Tempestade Ideológica", outra “pesquisadora” do bolsonarismo, também considera o MBL um movimento fascista, embora no passado ela mesma tenha sido uma fanática bolsonarista, elogiando Bolsonaro como “empalador”. Os ataques de Michele foram direcionados a diversos outros não bolsonaristas, como os escritores Francisco Razzo e Martim Vasques da Cunha, ou qualquer outro que refute as suas teorias conspiratórias.

Diversos outros especialistas em “extrema-direita” criaram diversas teorias para afirmar que Jair Messias Bolsonaro é praticamente uma reencarnação de Hitler, quando há pouco em comum entre eles. Bolsonaro é, inclusive, forte apoiador do estado de Israel e do povo judeu. O modelo econômico aplicado por Bolsonaro durante seu governo é o oposto do aplicado pelos nazistas e, também durante seu governo, não houve nenhuma iniciativa de assassinato em massa de minorias. Em contrapartida, Lula, em entrevista à Revista Playboy, em 1971, afirmou que admirava a força e a dedicação de Hitler: “Por exemplo… O Hitler, mesmo errado, tinha aquilo que eu admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer”. Óbvio que Lula não é nazista, embora bolsonaristas tenham utilizado esta fala para atacar o seu adversário.

Em 2019, Bolsonaro visitou o Memorial do Holocausto, em Jerusalém, prestando homenagem às vítimas. Na saída, afirmou aos jornalistas que o nazismo era um regime de esquerda, algo que foi amplamente criticado por jornalistas. Embora militantes, como o colunista do The Intercept João Filho, afirmem categoricamente que o nazismo é uma ideologia de extrema-direita, não há consenso sobre o assunto entre especialistas no tema, havendo opiniões diversas. Mas, há entre os que pesquisam de forma séria o nazismo, o entendimento de que este absorveu diversas ideologias e bebeu de várias fontes, incluindo o comunismo, mesmo que fosse também anticomunista. Assim, o nazismo seria uma espécie de “Terceira Via”. 

Entre 2017 e 2018, três pesquisadores publicaram em revistas científicas diversos artigos com trechos do livro Mein Kampf (Minha Luta) de Adolf Hitler. O experimento durou até 2019 e resultou no livro “Teorias Cínicas: Como Pesquisas Ativistas Transformaram Tudo em Raça, Gênero e Identidade - E Por Que Isso Prejudica a Todos”, que denuncia o viés progressista na Academia. Experimento semelhante foi feito pelo ator José Wilker (1944 - 2014) que afirmou ter produzido um relatório a um grupo de diretores da Rede Globo sobre o que seria o “padrão Globo de qualidade”. No texto, Wilker incluiu citações do Mein Kampf sobre como deveria funcionar um veículo de comunicação, recebendo a aprovação dos diretores da rede de televisão.

Uma pesquisa apresentada em fevereiro em um evento da Sociedade pela Investigação Aberta na Ciência do Comportamento (SOIBS) revelou que cerca de 60% dos alunos de graduação e aproximadamente 40% dos estudantes de pós-graduação concordam com afirmações do ditador nazista Adolf Hitler, quando a palavra "judeus" nas declarações do genocida é substituída por "brancos". O estudo também mostrou que a afinidade com as declarações de Hitler muda conforme a orientação política, sendo que os progressistas tendem a concordar mais com as frases que são contra brancos.

Sinais, fortes sinais!

Um dos casos mais emblemáticos de associação do bolsonarismo ao nazismo ocorreu durante a campanha presidencial de 2018, quando diversas suásticas foram pichadas em banheiros de universidades públicas e em locais públicos, como uma igreja em Nova Friburgo, no RJ. Na mesma época, uma menina de 19 anos, de Porto Alegre, denunciou ter sido marcada à força com uma suástica na barriga. Os casos alcançaram repercussão internacional, mas as acusações não eram verdadeiras.

A pichação feita na igreja carioca tinha sido feita por militantes de esquerda; uma perícia realizada pela Polícia Civil revelou que a jovem riograndense havia se automutilado. Por algum motivo, as “suásticas de Taubaté”, que se tornaram motivo de chacota por serem, em sua maioria, tentativas malsucedidas de reproduzir o símbolo nazista, não foram mais desenhadas pelo Brasil e só reapareceram quatro anos depois, em 2022, ano de eleição.

Após a eleição de Bolsonaro e ao longo de seu mandato, diversas charges foram produzidas associando-o ao nazismo. Até mesmo publicações estrangeiras entraram na “brincadeira” e publicaram imagens do político caracterizado como Hitler. Em maio de 2021, um inquérito aberto pelo então ministro da Justiça, André Mendonça, contra o cartunista Aroeira e o jornalista Ricardo Noblat, que propagaram uma charge envolvendo Jair Bolsonaro e uma suástica, foi arquivado pela Justiça Federal de Brasília. A decisão considerou a obra apenas uma peça de mau gosto, não uma ação criminosa.

O slogan de campanha de Jair Bolsonaro em 2018, "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", recebeu críticas por uma suposta semelhança com o trecho do hino alemão “Deutschland über alles" (Alemanha acima de todos). Contudo, a letra do hino foi composta em 1841, bem antes do surgimento do nazismo. Embora o hino tenha sido utilizado durante o Terceiro Reich, em conjunto com o hino do Partido Nacional Socialista, após a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha Ocidental adotou o "Deutschlandlied" como seu hino nacional, enquanto a Alemanha Oriental adotou uma nova composição.

Esta análise desconsiderou outro ponto importante: o bordão de Bolsonaro não foi criado por ele. Este é um brado de guerra da Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército Brasileiro, criado na década de 60. Tanto Bolsonaro quanto o seu vice, o general da reserva Hamilton Mourão, foram paraquedistas em sua trajetória militar.

Até mesmo uma apresentação da Orquestra Sinfônica da Força Aérea Brasileira, que tocou a peça “Os Mestres Cantores de Nuremberg: Prelúdio” do alemão Richard Wagner (1813-1883), foi associada ao nazismo, já que Hitler era fã do compositor e Bolsonaro assistia à apresentação. Embora Wagner tenha raízes antissemitas (assim como diversos outros artistas e escritores renomados de sua época), ele não possui ligação direta com o nazismo, já que morreu anos antes de Hitler nascer e compôs essa ópera mais de 80 anos antes da ascensão do nazismo na Alemanha. Além disso, a peça é executada por diversas orquestras ao redor do Brasil e do mundo.

Anos antes, o presidente Michel Temer foi acusado de apologia ao nazismo após escolher a frase “Não fale em crise, trabalhe” como lema inicial de seu governo. Militantes de esquerda apontaram semelhança com a frase “arbeit macht frei” (o trabalho liberta), famosa por ter sido escrita nos portões de campos de concentração nazistas. Entretanto, a exaltação ao trabalho não é exclusividade dos nazistas e pode ser encontrada em diversos outros regimes ao longo da história: desde o “Ora et labora” dos beneditinos, de meados do século VI, até campanhas dos soviéticos, eternizadas por seus cartazes construtivistas, e o icônico “We Can Do It!”, propaganda americana da Segunda Guerra Mundial que se tornou um ícone feminista.

Em maio de 2020, em meio à pandemia de Covid-19, a Secom do governo Bolsonaro publicou a frase “O trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil”, e esta foi acusada pelo jornal Correio Braziliense de ser semelhante ao slogan nazista “o trabalho liberta”. Na época, o chefe da Secom, Fabio Wajngarten, que é judeu, foi às redes sociais externar sua revolta por causa da acusação.

“É impressionante: toda medida do governo é deformada para se encaixar em narrativas. Na campanha, faziam suásticas fakes; agora, utilizam-se de analfabetismo funcional para interpretar erroneamente um texto e associar o governo ao nazismo, sendo que eu, chefe da Secom, sou judeu!”, escreveu Wajngarten no Twitter, acrescentando que “acusar injustamente [alguém] de nazifascismo tira o peso do termo. Se todos são nazifascistas, ninguém é, o que muito interessa aos criminosos, que passam a ser vistos como pessoas comuns”.

Gestos supremacistas

Em março de 2021, o então assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Filipe Martins, foi acusado de fazer um gesto nazista durante uma sessão no Senado. O gesto teria sido um sinal de “OK” com a mão direita, embora Martins tenha afirmado que apenas ajeitava a lapela de seu terno. Mais uma vez, especialistas em nazismo foram categóricos: o sinal é uma expressão de ódio de supremacistas brancos. O Museu do Holocausto em Curitiba condenou o ato, afirmando que era "estarrecedor que não haja uma semana sem que tenha que denunciar, reprovar ou repudiar um discurso antissemita, um símbolo nazista ou ato supremacista”.

Em junho, o Ministério Público Federal (MPF) no Distrito Federal denunciou Martins à Justiça após concluir que este agiu intencionalmente ao fazer “símbolo associado ao movimento supremacista branco dos EUA” e pediu que ele fosse punido com prisão, multa mínima de R$ 30 mil e perda da função. No entanto, Martins foi absolvido pelo juiz Marcus Reis Bastos, da 12ª Vara do Distrito Federal, que não encontrou nada que apoiasse as ilações da acusação do MPF.

Mas, ainda assim, a imprensa continuou a afirmar que Martins fez um gesto supremacista, mesmo ao reportar que o assessor foi inocentado. Em outubro de 2022, a senadora Soraya Thronicke (PODE), durante o debate presidencial, trouxe novamente à tona o caso. Martins afirmou que iria processar a parlamentar por causa de “mentiras já amplamente desmentidas”.

Mesmo que Martins tivesse feito o gesto de OK com a mão, este não seria um “gesto supremacista”. A ideia de que o sinal de OK é supremacista foi uma pegadinha criada pelo imageboard 4chan em meados de 2017 para fazer a imprensa acreditar que o sinal de OK significa WP, “White Power” (Poder Branco em português). Entretanto, o gesto é tão comum que, enquanto fazia duras críticas à atitude de Martins, sem perceber, o comentarista da Globonews, Gerson Camarotti, fez um gesto idêntico com as mãos.

Em fevereiro de 2022, foi a vez de Adrilles Jorge, então comentarista da Jovem Pan, ser acusado de fazer a saudação nazista conhecida como "Sieg Heil" no final do programa Opinião — em que se discutia as falas do apresentador Monark, que no podcast Flow afirmou não ser contra a existência de um partido nazista no Brasil, considerando que há partidos comunistas no país e que o comunismo matou tantas pessoas quanto. Monark deixou o programa após pressão de militantes e uma debandada dos anunciantes. O mesmo ocorreu com Adrilles, que foi demitido pela Jovem Pan.

Mais uma vez, o Ministério Público entrou com denúncia, agora por um ato de incitação à discriminação e ao preconceito de raça. E, novamente, a acusação era infundada e foi desconsiderada pela justiça de São Paulo. Na decisão, o desembargador Pinheiro Franco destacou que, durante o programa, Adrilles foi enfático e realçou com "argumentação séria", "firmeza" e "conhecimento do tema" sua opinião contrária aos princípios nazistas e aos comunistas. Além disso, o gesto se tratava claramente de um sinal de despedida, algo que o comentarista faz costumeiramente, conforme atestam uma série de vídeos coletados por internautas.

“É disso que se trata. Se você tem uma explicação, uma justificativa, um ‘mas’ ou uma flanela para passar, vai que é sua, Taffarel. A história lembrará”, escreveu no Twitter a jornalista Vera Magalhães, apresentadora do programa Roda Viva, da TV Cultura, em maio de 2020, sobre as imagens de um grupo de soldados que apareciam com as mãos estendidas, em frente ao Planalto, insinuando que faziam o gesto “Sieg Heil”. O grupo de paraquedistas, entretanto, realizava uma oração de intercessão pelo presidente Jair Bolsonaro, conforme pode ser observado no vídeo completo do ato.

Hitler bebia água, logo…

Quando Bolsonaro apareceu em uma transmissão nas redes sociais bebendo leite, em junho de 2020, diversos “especialistas” em “extrema-direita” associaram o ato a um “dog whistle” (apito de cachorro), termo usado para descrever mensagens que são codificadas para serem compreendidas apenas por um grupo específico, geralmente com intenções obscuras ou subversivas.

Na ocasião, a antropóloga Adriana Dias, tida como uma das maiores especialistas em neonazismo e antissemitismo no Brasil, foi taxativa: o caso tinha uma referência clara com o neonazismo. "O leite é o tempo todo referência neonazi. Tomar branco, se tornar branco. Ele vai dizer que não é, que é pelo desafio, mas é um jogo de cena, como eles sempre fazem", declarou à revista Fórum a ex-professora da Unicamp — universidade paulista onde integrantes do MBL e do partido NOVO foram expulsos e agredidos por militantes da União da Juventude Comunista (UJC Brasil), em julho de 2022, sob a acusação de serem racistas e fascistas, incluindo o vereador negro e gay, Fernando Holiday.

Para o antropólogo David Nemer, que se diz pesquisador do bolsonarismo, o ato foi uma tentativa tosca de copiar a Alt Right americana. "Nacionalistas brancos fazem manifestações bebendo leite para chamar a atenção para um traço genético conhecido por ser mais comum em pessoas brancas do que em outros - a capacidade de digerir lactose quando adultos. É uma tentativa racista de se embasar em ‘ciência’ para diferenciar e justificar a ‘raça branca’", escreveu no Twitter. Já Guilherme Casarões, professor da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Observatório da Extrema Direita, afirmou em publicação no Twitter que nem todo gesto da direita é calculado e deliberado. “Às vezes, um copo de leite é só um copo de leite. Mas, lido no contexto, pode ser mais problemático do que parece”, escreveu.

Caso eles fizessem uma pesquisa mínima sobre o ato, descobririam que este fazia parte de uma campanha da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite) para promover e valorizar produtores de leite. Participaram do desafio, que consistia em gravar um vídeo tomando leite, a então ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), e outros integrantes do governo.

Casarões, Nemer e Dias protagonizaram diversas outras tentativas toscas de correlacionar o bolsonarismo ao nazismo. Mesmo que não fossem verdade, puderam despejar essas falácias na grande mídia, que as acolhia sem critério. É o caso de uma suposta carta de agradecimento enviada pelo gabinete do então deputado Jair Bolsonaro, em 2004, e publicada em um site neonazista. "Todo retorno que tenho dos comunicados se transforma em estímulo ao meu trabalho. Vocês são a razão da existência do meu mandato", escrevia Bolsonaro na carta, publicada no site em forma de banner com link direcionado para o site de Bolsonaro.

Para Dias, que divulgou esta carta em julho de 2021 no The Intercept, esta era a "prova inconteste" de que Bolsonaro tem relação com o nazismo. Entretanto, o texto na íntegra da carta, disponibilizado pela própria pesquisadora, mostra ser uma carta genérica disparada via mailing para uma base de dados. Na ocasião, debati com Dias no Twitter sobre esta conclusão. Argumentei que alguém publicar um link para o site de alguém não é sinônimo de que essa pessoa que receberá o tráfego é ligada a eles e que qualquer pessoa pode fazer isso. Dias respondeu que Bolsonaro deveria ter detectado o tráfego e denunciado à Polícia Federal. Segundo ela, apenas o site neonazista teria publicado a carta. A isso, repliquei que todos nós temos milhares de e-mails com spam na caixa de entrada e que não foram publicados em lugar algum. Por fim, Adriana sacou a carta do “tenho mais dados”, mas não revelou quais eram.

O Sul é nazista

Em 2020, Adriana Dias afirmou ter identificado 69 células neonazistas de três a quarenta pessoas em Santa Catarina. Em um ano, de 2021 a 2022, o número de grupos nazistas identificados no estado teria mais que dobrado, com 320 novas células ativas. Esse número equivale a mais de 20% dos cerca de 1,1 mil casos encontrados no país. Nas redes sociais, os resultados do estudo — seja através de reportagens sobre o tema ou uma simples planilha em forma de imagem, que retratava um total de 331 mil nazistas vivendo nos estados do Sul e Sudeste — foram utilizados para taxar todo o sul do país como nazista.

Diversos estudos e entrevistas com especialistas foram realizados para tentar provar o motivo de haver mais nazistas em Santa Catarina. O que não apareceu, no entanto, foi a metodologia utilizada por Dias para classificar uma “célula nazista” ou os dados brutos do estudo para análise. A caixa preta desapareceu junto com a autora, que faleceu no início deste ano, aos 52 anos, por causa de um câncer cerebral. Tanto o mestrado quanto o doutorado de Dias sobre o tema não trazem esta metodologia.

Em novembro de 2022, manifestantes bolsonaristas foram alvo do Ministério Público do estado por, supostamente, fazerem o gesto nazista “Sieg Heil” em frente a uma base do Exército no Oeste de Santa Catarina. O caso repercutiu em toda a imprensa, e notas de repúdio foram disparadas pela Confederação Israelita do Brasil, a embaixada de Israel no Brasil e até o embaixador da Alemanha no Brasil, Heiko Thoms. O grupo, no entanto, afirmou que apenas realizava um juramento à bandeira. O Grupo de Atuação no Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) de São Miguel do Oeste, que investigava o caso, concluiu que o gesto não foi “intencional”. Não houve retratação das acusações infundadas aos manifestantes catarinenses e, pelo contrário, elas continuaram.

Em maio deste ano, a colunista da Folha de São Paulo, Giovana Madalosso, escreveu o artigo “Fui surpreendida por uma saudação nazista”, após ver a palavra “Heil” pintada em telhados de residências de Urubici, cidade de Santa Catarina. No texto, Madalosso afirmava que recebeu a dica de um amigo, mas ela não "teria botado [SIC] muita fé, mesmo sabendo ela que 69% do estado teria votado em 'fascista' nas últimas eleições. No mesmo dia, a Folha fez uma correção no artigo, inserindo um tímido “erramos” no final e acrescentando ao título a palavra “provável”, diminuindo a certeza da afirmação. A imagem de capa, que retratava os infames telhados, foi retirada. O motivo? Heil é o sobrenome do empresário proprietário das casas e não tem qualquer relação com a saudação nazista “Heil Hitler” (Salve, Hitler). Dias depois, a Folha publicou outro artigo corrigindo o erro, mas a colunista foi mantida e tem publicado artigos se dizendo "alvo de linchamento por parte da extrema-direita".

O ódio à população do sul do país também ficou patente com a acusação feita pelo ex-jornalista da Rede Globo, Chico Pinheiro, de que a deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) utiliza uma tiara de flores nazista, afirmando que o acessório é um “Dog whistle” (Apito de Cachorro) para os “parceiros nazis” da deputada. “Essa ‘coroa’ era usada por crianças e mocinhas na Alemanha, homenageando o führer [Adolf Hitler]. Merece ser cassada!", escreveu Pinheiro. O ex-BBB, ex-deputado e ex-exilado Jean Wyllys também fez coro à fala de Pinheiro, acrescentando que, além de fascista, Zanatta era cafona. No entanto, a tiara de flores é um acessório comum da cultura alemã, muito difundida em Santa Catarina, e não está relacionada ao nazismo. Por conta dessa falsa acusação, Zanatta passou a ser ameaçada de morte por e-mails e ligações anônimas em seu gabinete.

Ligações e desencontros

Os casos citados anteriormente foram os que não podem ser correlacionados com o nazismo. Há, no entanto, algumas ligações sutis, outras nem tanto, entre Bolsonaro ou seus apoiadores e o nazismo, embora essas correlações possam ser feitas entre quaisquer pessoas. O evento mais emblemático foi a transmissão feita pelo então secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, em janeiro de 2020, plagiando um trecho do discurso do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels, além de copiar a sua estética.

Num primeiro momento, Alvim tentou se defender dizendo que a semelhança não passava de uma "coincidência retórica”, mas que assinava embaixo do que disse no vídeo. Depois, afirmou que não tinha noção da origem nazista de algumas de suas frases e que não as diria se soubesse. Acrescentou que possui profundo repúdio a qualquer regime totalitário e tem absoluta repugnância pelo regime nazista.

A justificativa não colou. Após pressão dos presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, e principalmente por causa da pressão da embaixada de Israel, que mantinha uma relação de proximidade com o Planalto, Alvim foi demitido pelo presidente Jair Bolsonaro no dia seguinte à transmissão. "Reitero nosso repúdio às ideologias totalitárias e genocidas, bem como qualquer tipo de ilação às mesmas. Manifestamos também nosso total e irrestrito apoio à comunidade judaica, da qual somos amigos e compartilhamos valores em comum", escreveu Bolsonaro em um comunicado oficial no Facebook.

Em 1995, o então deputado federal Jair Bolsonaro defendeu em discurso na Câmara dos Deputados formandos do Colégio Militar de Porto Alegre que escolheram o ditador Adolf Hitler como o personagem histórico mais admirado. Este episódio foi resgatado após a transmissão e posterior demissão do secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, e foi incluído em uma lista de “casos que ligam Bolsonaro à ideologia nazista” pelo portal feminista Catarinas, veículo militante pró-aborto financiado pela ONU e pela União Europeia.

Entretanto, o restante da fala de Bolsonaro na ocasião desmonta a teoria de que ele defendeu o nazismo. Os estudantes teriam escolhido Hitler entre um grupo de personalidades, obviamente selecionado em tom de deboche: Conde Drácula, Hércules, Nostradamus, Rainha Catarina e Átila, o Huno. Embora tenha afirmado que os alunos estariam carentes de ordem e disciplina e que, por isso, precisaram eleger “aqueles que souberam, de uma forma ou de outra”, impô-la, ao fim de sua fala, Bolsonaro salientou que não defende “as atrocidades cometidas por Adolf Hitler”.

Em agosto de 2021, Bolsonaro recebeu a deputada alemã Beatrix von Storch, do partido de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), neta de Lutz Graf Schwer, ministro das Finanças de Hitler condenado a dez anos de prisão durante o Julgamento de Nuremberg, em 1949, mas anistiado dois anos depois. O contexto familiar de Beatrix é profundamente enraizado na nobreza europeia. A Casa de Oldenburg, à qual ela pertence, foi uma família real que reinou no Grão-Ducado de Oldenburg. A linhagem masculina dessa família também está associada a outras casas reais europeias, incluindo as da Dinamarca, Noruega, Grécia, Rússia e Reino Unido.

Outro caso famoso é a foto que Bolsonaro teria tirado com um “sósia de Hitler”, em 2016, durante uma sessão na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro que discutia o projeto Escola Sem Partido, proposto pelo vereador Carlos Bolsonaro. O “sósia” era Marco Antônio Santos, candidato a vereador pelo PSC, então partido a que Bolsonaro também pertencia, que teria aparecido na sessão vestido com um terno semelhante aos paletós dos uniformes da Alemanha nazista e pedido para tirar uma foto com o então parlamentar — uma das milhares de fotos já tiradas com Bolsonaro ao longo dos anos. Na frente da vestimenta de Santos estavam ostentadas medalhas militares, incluindo uma “Cruz de Ferro”. Havia também um corte de cabelo, que foi acusado de ser semelhante ao de Hitler, e um bigode.

Santos justificou que não fez apologias ao nazismo e que seria descendente de judeus. Além disso, afirmou que os broches seriam um símbolo do Exército Brasileiro e da congregação mariana. A cruz teria sido desenhada por ele próprio e seria inspirada na “Cruz do mérito Marechal Rondon”, uma medalha que era concedida pelo governo brasileiro e foi suspensa pelo Regime Militar sob acusação de atentar contra a “moral e ordem pública”. Além disso, embora tenha sido utilizada pelos nazistas como sua principal condecoração de guerra, a Cruz de Ferro não necessariamente é um símbolo nazista. A influenciadora conservadora Sara Winter também foi acusada de ser nazista por ter uma cruz de ferro tatuada acima do seio esquerdo. 

Sara, que foi uma das principais líderes no Brasil do Femen, movimento feminista radical de esquerda, antes de se “converter” à direita anos depois, confessou ter feito a tatuagem muitos anos antes, época em que conviveu com skinheads e foi prostituta, mas que este seria “um erro do seu passado”. Winter abandonou a política e saiu do país após se envolver no controverso movimento “300 do Brasil”, que acampou na Esplanada dos Ministérios em Brasília e pediu o fechamento do Congresso Nacional e a saída de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), motivo pelo qual ela foi presa e passou a ser investigada no Inquérito dos Atos Antidemocráticos.

Em 2020, o Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil publicou um relatório listando eventos antissemitas e correlatos no Brasil. Entre eles estava uma convenção conservadora nos Estados Unidos, realizada em julho de 2022, que contou com a presença de Eduardo Bolsonaro e Donald Trump, onde neonazistas se manifestaram em frente ao local. Entretanto, o relatório desinforma, pois os neonazistas não faziam parte do evento. O jornalista Renato Souza, notório militante de redação, destacou no Twitter que os neonazistas não foram presos. Nos Estados Unidos prevalece a primeira emenda, que garante o amplo direito à liberdade de expressão, incluindo a defesa do infame nazismo. Com a colaboração de Landerson Santos.

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