“Sinais supremacistas de OK”: a histeria em torno dos “Apitos de Cachorro” nas Olimpíadas

Acusações absurdas de realização de sinais de supremacia branca são replicadas acriticamente pela imprensa.

Por: David Ágape
12, ago. de 2024 às 00:56
“Sinais supremacistas de OK”: a histeria em torno dos “Apitos de Cachorro” nas Olimpíadas
Imagem: Divulgação

Ontem, dia 11, encerraram-se as controversas Olimpíadas de Paris, marcadas por uma série de polêmicas. Desde a cerimônia de abertura, que gerou indignação ao profanar a Santa Ceia, até as acusações de que sinais de "OK", associados à supremacia branca, foram supostamente feitos por participantes. Isso nos leva a questionar: estamos realmente testemunhando uma onda nazista nas Olimpíadas ou apenas mais uma onda de histeria midiática e militante?

A falácia do reductio ad Hitlerum, que abordamos em uma reportagem anterior em A Investigação sobre as falsas acusações de que Bolsonaro e seus apoiadores são associados ao nazismo, é uma tática eficaz para atacar adversários políticos e mobilizar a militância contra um inimigo demonizado. Nesse contexto, uma das ferramentas retóricas utilizadas é o conceito de dog whistles (apitos de cachorro), uma teoria da conspiração amplamente aceita pelos círculos acadêmicos e midiáticos.

Assim como os apitos de cachorro, que emitem sons inaudíveis para humanos, mas são captados por cães, a teoria sugere que há palavras ou gestos aparentemente inofensivos que poderiam transmitir mensagens codificadas para grupos extremistas, sem que a maioria das pessoas perceba. Entre esses sinais estão: beber leite, fazer gestos de OK com as mãos, vestir-se de verde e até adotar certos penteados. Ironicamente, muitos daqueles que fazem essas acusações acabam repetindo os mesmos gestos que criticam.

Os adeptos dessa teoria da conspiração, que em sua limitada capacidade cognitiva acreditam ter desvendado o modus operandi da ultra-direita-nazifascista, curiosamente também praticam apitos de cachorro. Um exemplo claro é o grito de guerra “From the River to the Sea”, que, sob o pretexto de uma declaração política pró-Palestina, clama pela eliminação total de Israel. Outro exemplo é o caso de Amanda Vettorazzo, do Movimento Brasil Livre (MBL), que foi retratada nas redes sociais de cabeça para baixo, em alusão à execução de Mussolini. Nesse contexto, a mensagem seria que, por ser associada ao fascismo, Vettorazzo também mereceria ser assassinada, assim como o ditador italiano. 

As acusações feitas por anônimos na internet são frequentemente adotadas pela imprensa, que as reproduz de forma acrítica, criando um processo que poderíamos chamar de "lavagem de notícias" — uma analogia à lavagem de dinheiro. Nesse processo, a mídia transforma boatos ou alegações não verificadas em notícias "legítimas", repassando-as sem o devido escrutínio. Alguns veículos têm o cuidado de adicionar um “suposto” antes das acusações para evitar processos, outros são mais ousados e fazem acusações diretas. Por fim, os veículos de comunicação entram em contato com as autoridades, não com o objetivo de buscar informações ou esclarecer os fatos, mas sim para pressionar por punições contra os acusados. O lado dessas pessoas raramente é ouvido, pois elas já foram julgadas e condenadas no tribunal das redes sociais.

O polêmico gesto de OK

No último dia 8, durante as Olimpíadas de Paris, a treinadora húngara Noémi Gelle foi acusada por internautas e militantes de esquerda — majoritariamente brasileiros — de realizar um gesto de supremacia branca. O gesto foi captado pelas câmeras enquanto a treinadora e a ginasta húngara Fanni Pigniczki aguardavam as notas após a apresentação nas classificatórias do individual geral da ginástica rítmica.

O gesto, que envolvia o polegar tocando o dedo médio, foi associado por alguns ao "sinal de OK", que nos últimos anos passou a ser acusado de ter ligação com grupos de supremacia branca. Nessa interpretação, o círculo formado pelo polegar e o dedo indicador representaria a letra "W" de "white" (branco), enquanto os três dedos restantes formariam a letra "P" de "power" (poder), simbolizando "white power" (poder branco). A acusação gerou um debate nas redes sociais, com pedidos de punição para a técnica, enquanto muitos consideravam a interpretação exagerada.

Parte das acusações realizadas por personalidades e “especialistas” em extrema-direita foram republicadas acriticamente por diversos veículos de mídia brasileiros. Uma dessas pessoas foi Caio Barbosa, doutor em Ciência Política pela USP, conhecido por bater boca com anônimos na internet. Publicando uma imagem da treinadora da Hungria, Caio comentou no X: “Em um contexto de ginastas negras formando um pódio e sendo celebradas, acontece isso. Vão dizer que é só mais uma coincidência, um gesto qualquer”. Anteriormente, Barbosa também participou de uma campanha de difamação contra o youtuber infantil Gato Galáctico porque este realizou um gesto de OK e bebeu leite.

No vídeo das Olimpíadas (que foi retirado do ar em diversas plataformas por reivindicações de direitos autorais), observa-se que, aparentemente, não é o tradicional sinal de "OK" que a treinadora húngara Noémi Gelle realiza. Em vez de tocar o polegar no indicador, ela o coloca sobre o dedo médio (também conhecido como dedo do meio), conferindo o posicionamento com cuidado. Fazer o sinal de "OK" seria mais simples, então por que ela insiste em tocar o dedo médio? A resposta pode ser mais simples do que parece.

A possível origem do gesto

Sinais com as mãos podem ter uma variedade de significados dependendo do contexto cultural e da intenção por trás do gesto. Por exemplo, o gesto de "chifrinho" com as mãos feito por Xuxa, que poderia ser interpretado negativamente, na verdade significa "eu te amo" na língua de sinais. Da mesma forma, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, intérprete de língua de sinais, e o Papa Francisco já foram vistos realizando esse gesto.

Muitos gestos possuem conotações religiosas ou culturais específicas. O gesto realizado por Noémi Gelle parece ser um Mudra, mais especificamente o Shuni Mudra. Na tradição hindu e budista, os "Mudras" são gestos sagrados usados na meditação para trazer equilíbrio à mente. O Shuni Mudra, também conhecido como o "Selo da Paciência", envolve a união do polegar com o dedo médio, simbolizando disciplina, paciência e a transformação de emoções negativas em positivas. Este Mudra é frequentemente representado em estátuas de Buda, como a localizada no Templo de Gakwonsa, em Cheonan, na Coreia do Sul, onde Buda é retratado fazendo o mesmo gesto com os dedos. A hipótese de que a treinadora realizou um Shuni Mudra não está comprovada, ainda que o sinal por ela seja semelhante ao gesto budista. Mas, mesmo que o gesto realizado pela treinadora húngara fosse de fato o sinal de "OK", isso não significa que ela seja nazista ou supremacista branca. Poucos sinais com as mãos podem ser considerados universais — como o sinal de jóia e o aceno de “tchau” —, e o sinal de "OK" é um deles. Existem duas hipóteses sobre a origem do sinal OK. A primeira é que ele surgiu nos EUA, no século XIX como uma forma abreviada de "all correct". Mas ele já era encontrado muito antes na cultura budista, sendo associado ao Vitarka Mudra. No contexto brasileiro, além do tradicional sentido de "positivo" do sinal de OK, há uma conotação sexual.

Em 2017, usuários do 4chan — um fórum de discussão anônimo conhecido por suas postagens controversas e às vezes ofensivas — iniciaram uma campanha para convencer a mídia de que o gesto de "OK" era um símbolo de supremacia branca. A imprensa caiu na pegadinha e levou a sério, classificando como supremacistas pessoas que faziam esse gesto em diferentes contextos.

A brincadeira foi tão longe que chegou ao Brasil. Em março de 2021, Filipe Martins, então assessor do presidente Jair Bolsonaro, foi acusado de fazer o gesto de OK durante uma sessão no Senado. Martins afirmou que estava apenas ajustando a lapela do terno. Apesar da acusação do MPF, que pediu sua punição, Martins foi absolvido por falta de provas. No entanto, a imprensa continuou a alegar que ele fez um gesto supremacista. Comitê Olímpico Internacional reage

Este é o segundo caso de acusação de realização de “gestos de OK” nas Olimpíadas de Paris. Anteriormente, um funcionário foi flagrado pelas câmeras durante as provas do skate street feminino fazendo o sinal de OK. Após a publicação de uma reportagem do The Intercept Brasil, o funcionário foi afastado pelo Comitê Olímpico Internacional. No X, o repórter Paulo Motoryn, responsável pelo “grande furo” do The Intercept, celebrou a demissão do funcionário (que nunca apresentou sua versão dos fatos).

No caso da treinadora húngara, a Federação Internacional de Ginástica (FIG) e o Comitê Olímpico Húngaro saíram em sua defesa. Em resposta ao Portal UOL, a FIG afirmou que a treinadora fez um simples gesto de OK, ressaltando que o gesto é usado desde o século XVII na Grã-Bretanha e significa “entendimento, consenso, aprovação ou bem-estar".

A FIG acrescentou que reconhece que o gesto "tem um significado particular no Brasil" e que recebeu perguntas apenas de meios de comunicação brasileiros sobre o episódio, mas ponderou que "os Jogos Olímpicos são um evento internacional, com uma audiência internacional". A federação também condenou os ataques de brasileiros às redes sociais da ginasta húngara Fanni Pigniczki. Em resposta ao Portal UOL, o Comitê Olímpico Húngaro seguiu a mesma linha de pensamento: "Entramos em contato com a treinadora, e ela disse que queria que o desempenho de sua atleta fosse uma marca de excelência. Não houve qualquer contexto intencional no gesto que ela fez com as mãos".



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