Notas da Comunidade: Twitter democratiza a checagem de fatos

Ferramenta chega ao Brasil e apresenta o "outro lado" de discursos na internet.

Por: Redação
29, mai. de 2023 às 21:59
Notas da Comunidade: Twitter democratiza a checagem de fatos
Foto: Dreamlike

Os dias das agências de checagem podem estar contados, ou, ao menos, podem se tornar dispensáveis no Twitter, rede social que está reinventando a forma como lidamos com informações potencialmente imprecisas. O recurso Notas da Comunidade do Twitter, lançado em novembro passado e agora disponível no Brasil, está desmascarando discursos fraudulentos e distorcidos.

Ativistas, artistas e políticos não são os únicos sujeitos a correções. Até mesmo Elon Musk, dono do Twitter, que já elogiou o sistema como "um divisor de águas para aprimorar a precisão no Twitter", teve suas publicações corrigidas pelo recurso. Veículos de mídia da Grande Imprensa também não foram perdoados pelas Notas da Comunidade, ao contrário de agências de checagem que nunca realizam verificação de publicação da imprensa. 

Outro detalhe que chamou a atenção foi a predominância de correções em publicações de perfis identificados como alinhados à esquerda. As agências de checagem tradicionais já haviam afirmado que a direita seria a maior produtora de notícias falsas e, portanto, seria natural que fosse mais checada. Contudo, a realidade no Twitter apresenta um cenário diferente.

Checados pela comunidade

Em 22/04, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tuitou que nunca havia igualado Rússia e Ucrânia no conflito, que já se arrasta há mais de um ano. Contudo, uma nota produzida pela comunidade, utilizando reportagens dos jornais Folha de São Paulo e Estado de Minas, relembrou algumas vezes que o petista igualou as responsabilidades. A própria nota recebeu suas etiquetas por "citar fontes de alta qualidade" e ser "fácil de entender".

Uma semana antes, em 12/04, a primeira-dama Janja da Silva também recebeu uma verificação da comunidade por seu tuíte que afirmava que a taxação dos sites de e-commerce Ali Express, Shopee e Shein, proposta pelo governo Lula, seria apenas para empresas, não para o consumidor. Entretanto, as empresas já pagam impostos para itens abaixo de $ 50 enquanto consumidores estão isentos de cobrança.

No mesmo dia, um tuíte da CNN que afirmava que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, teria negado ter dito a frase "eleição não se ganha, se toma" durante uma aula inaugural do curso Democracia e Combate à Desinformação, promovida pela Escola Superior da Advocacia-Geral da União. O ministro alegou que o vídeo que circulou pelas redes sociais, em que ele aparece dizendo essa frase, seria uma edição e um exemplo de desinformação. No entanto, a nota da comunidade deixou claro que o ministro realmente disse a frase, conforme pode ser encontrado em vídeo que se encontra no canal oficial da Câmara dos Deputados (minuto 3:41). 


A âncora da CNN, Daniela Lima, também recebeu verificação da comunidade por seu tuíte em 26/05, o qual afirmava que o Telegram teria violado os próprios termos de uso ao enviar uma mensagem contra o PL da Censura aos seus usuários. Contudo, os termos de uso são voltados aos usuários, não à plataforma. Em 01/05, Daniela passou por um vexame ao acusar o Twitter de censurar seus tuítes devido à defesa apaixonada que a jornalista tem feito ao PL da Censura. Na realidade, o sistema enfrentava uma instabilidade global. A vergonha se tornou mundial pois Daniela insistiu em tentar contrariar o próprio Elon Musk, proprietário do Twitter, que classificou o argumento da jornalista como "ridículo".


Em 21/05, a Folha de SP publicou o infame artigo de opinião da colunista Giovana Madalosso, que dizia ter sido surpreendida por saudação nazista em imóveis de uma cidade de Santa Catarina. As notas da comunidade explicaram, no entanto, que o termo “Heil” não se tratava de uma expressão nazista, mas era o sobrenome do proprietário das residências. A Folha de SP publicou um “erramos” sobre o texto, ainda que quase uma semana depois. 


Até mesmo o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), relator da “CPI das Fake News”, teve uma publicação sua corrigida. O deputado tuitou em 24/05 que havia protocolado representação no Ministério Público por crime de racismo contra os responsáveis pelo jogo Simulador de Escravidão e aproveitou para fazer uma propaganda em favor do PL 2630, a polêmica "PL das Fake News" (ou PL da Censura, para os mais íntimos) que tramita no Congresso.


Na tentativa de defender o seu “monopólio da verdade”, a Aos Fatos, agência de checagem que tem por ideal a imparcialidade, mas desde que Lula assumiu o governo praticamente deixou de checar as ações e falas do Governo Federal, assegurou que a publicação de Orlando Silva não tinha desinformação. De fato, Orlando não escreveu de forma literal que o PL 2.630 iria regular lojas de aplicativos, mas diante do contexto isto está claro a qualquer pessoa minimamente alfabetizada. 


Porém, o campeão de verificações da comunidade é certamente o youtuber Felipe Neto, que tem feito uma feroz campanha a favor do PL da Censura. Em uma das publicações, no contexto da ida do presidente Lula à coroação do rei Charles III, Neto afirmou que se fosse realizada uma busca no Google com os termos “Coroação” e “Lula” o presidente seria relacionado com “corrupção”. Neto foi desmentido com a explicação de que o Google usa um algoritmo de correção ortográfica baseado em modelo estatístico, que analisa a frequência de palavras e as associações entre elas e a palavra Lula apareceria mais vezes associada a corrupção e menos vezes a coroação.


Em outra ocasião, o influenciador publicou um vídeo afirmando que era mentira a criação de um novo imposto para a taxação de mercadorias importadas – de sites como Shopee, Shein, Aliexpress etc –, atribuindo a “articuladores de mentiras e fake news da extrema-direita”. A postagem defende a tese de que o imposto sempre existiu e que a legislação prevê apenas isenção em produtos de até US$50, enviados de pessoa física para pessoa física. As empresas, portanto, estariam burlando a legislação e cometendo o crime de se passar por pessoas físicas. O Decreto Lei 1840/80 prevê isenção para mercadorias de até US$100 enviados para pessoas físicas, nada falando sobre o remetente. A Portaria 156/1999, do Ministério da Fazenda, alterou esse inciso, baixando o valor para US$ 50 e incluindo a restrição do remetente ser também pessoa física.

Após o Twitter acrescentar uma nota adicionando o contexto, sugerido pelos próprios usuários da plataforma, o youtuber publicou uma nova publicação, afirmando que a ferramenta era passível de manipulação, que também recebeu uma nova nota da plataforma negando a manipulação e explicando o processo. O tuíte foi excluído, mas antes foi salvo por diversas pessoas.

Comunidade versus agências

Nas agências de checagem tradicionais a verificação é geralmente realizada por um jornalista ou por uma pequena equipe. A decisão de publicar a checagem de um fato depende de uma avaliação interna, e não da concordância de um grupo maior de pessoas, como ocorre em plataformas de checagem coletiva. Assim, há grande chance de o processo de checagem de fatos sofrer influência de patrocinadores ou da ideologia dos proprietários e jornalistas. Além disso, no caso de uma checagem malfeita, há grande chance de haver injustiça graças à parceria das redes sociais com agências de checagem para censurar conteúdos com “desinformação”. No caso das Notas da Comunidade as publicações “checadas” não sofrem redução de alcance.


O Notas da Comunidade tem um processo diferente. O processo é iniciado quando um usuário pré-aprovado identifica um tuíte que precisa de esclarecimentos adicionais e, em seguida, acrescenta uma correção e suas respectivas fontes ao tweet. A correção só se tornará visível ao público após uma quantidade suficiente de outros usuários pré-aprovados terem votado a favor da sua utilidade. Se a correção não alcançar um consenso significativo, não será exibida ao público. Uma vez aprovada, a correção pode ser avaliada por todos os usuários do Twitter, sem necessidade de pré-aprovação.

O principal diferencial do Notas da Comunidade, em relação a serviços tradicionais de verificação de fatos, é a necessidade de um esforço coletivo para a aprovação de uma correção. Este sistema, inspirado em um programa de democracia digital de Taiwan, só aprovará uma nota se a maioria dos colaboradores não a considerar tendenciosa. A abordagem coletiva e descentralizada de checagem de fatos também aumenta a transparência do processo. Além disso, os detalhes do software estão expostos na plataforma GitHub.

Qualquer usuário do Twitter pode se candidatar para ser um verificador de fatos, desde que atenda a alguns critérios. Os requisitos incluem ter uma conta ativa no Twitter há pelo menos seis meses, não ter infringido as regras do Twitter desde o início do ano, fornecer um número de telefone válido de um provedor confiável, e não estar vinculado a outras contas do Notas da Comunidade. Além disso, os candidatos devem concordar em cumprir três princípios: colaborar para a compreensão mútua, agir de boa fé e manter a civilidade mesmo em situações de discordância. As contribuições dos usuários serão públicas.


Embora o sistema ainda possua falhas, como uma nota precipitada sobre uma agressão sofrida por transsexual natural do Brasil em Milão e a crítica do biólogo e jornalista Eli Vieira diante de uma nota problemática produzida pela comunidade sobre genética, a iniciativa é tida como uma revolução na forma com que lidamos com a informação. Deixamos a mera atitude passiva de consumidores e observadores, para ativamente buscarmos informação e compartilharmos com os demais usuários de forma organizada. No Brasil, os usuários do Twitter podem acompanhar as notas consideradas úteis através do perfil oficial Notas Úteis.

Com exceção do jornal Gazeta do Povo e sites especializados em tecnologia, o Notas da Comunidade não tem recebido atenção da Grande Imprensa brasileira, a despeito de seu sucesso entre os usuários do Twitter. Por que será?

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