Diz a manchete do jornal: Fulano é censurado nas redes sociais a mando do ministro Ciclano. Após ler esta notícia, Beltrano insere um emoji raivoso e uma hashtag contra a Censura ,e na sequência continua rolando normalmente o feed das suas redes sociais.
A Censura se tornou rotina no Brasil, principalmente após o endurecimento de ações do TSE, que determinou nas últimas eleições a retirada do ar de diversos perfis – majoritariamente de personalidades e políticos de direita –, e de várias ações por iniciativa das próprias redes sociais. Estamos tão imersos no ambiente censor, que não percebemos a dimensão do autoritarismo que nos cerca, como na “parábola do sapo na panela”. Neste caso, somos o sapo e já estamos nos transformando em uma sopa.
No início de maio o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), adiou a votação do Projeto de Lei 2.630/20, o PL das Fake News. O adiamento, uma manobra para evitar a derrota na Câmara, ocorre em meio a um coro de críticas de gigantes da tecnologia como Google e Telegram, que se opõem à lei.
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, ordenou que Google e Telegram apagassem o comunicado e, no caso do segundo, substituísse por uma nova mensagem redigida pelo próprio ministro, alegando que a anterior era desinformação. Alinhado com o novo governo, o ministro do STF é um ferrenho defensor da regulação das redes sociais – tanto que em uma das primeiras reuniões de Moraes com o presidente Lula pediu a ele que fosse criado um projeto de lei neste sentido – e, assim como representantes do Executivo, nas últimas semanas usou o poder do Estado para ordenar a remoção imediata de anúncios que se posicionavam contrários ao PL das Fake News. Vale destacar que a mensagem do Telegram mencionava justamente o risco de silenciamento de opiniões que o governo venha a considerar “inaceitáveis” a partir da aprovação do projeto de lei. Lei 'Antipiada'
No início de 2023, o UOL Confere publicou uma checagem que tachando como desinformação discursos de que a "lei antipiadas" poderia ser usada para censurar humoristas, mas o recente caso de censura contra o humorista Léo Lins refuta essa análise. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que Lins removesse um especial de comédia do YouTube, alegando que este reproduzia "discursos e posicionamentos repudiados", incluindo piadas sobre grupos minoritários.
Lins também ficou proibido de cidade de São Paulo por mais de dez dias sem autorização judicial, devendo comparecer comparecer mensalmente em juízo para informar e justificar suas atividades; e proibido de publicar, transmitir ou mesmo manter em seus dispositivos qualquer conteúdo que pudesse ser visto como depreciativo ou humilhante para diversas categorias sociais; e estipulou uma multa diária de R$ 10 mil para cada eventual transgressão identificada.
A juíza Gina Fonseca Correa, atendeu a um pedido do Ministério Público de São Paulo, que na denúncia fez referência à nova "Lei Antipiadas" (lei nº 14.532/2023), sancionada pelo presidente Lula em janeiro, que equiparou a contação de piadas sobre grupos considerados minoritários ao crime de racismo. A defesa de Lins alegou censura prévia, prática proibida pela Constituição, e prometeu recorrer da decisão.
Os perigos da Censura
Em seu livro Contra toda Censura (2022, Avis Rara, 224 págs.) Gustavo Maultasch, diplomata e bacharel em direito pela UERJ, escreve, logo na introdução: “muitos não estão nem sentindo [a Censura], ou talvez estejam até gostando; talvez não sintam o perigo porque ele ainda se encontra mais no espírito do tempo – no clima das ideias do que propriamente no conjunto das ações concretas da história: quantas pessoas realmente foram presas por dizerem o que pensam? Quantas pessoas realmente são censuradas? São poucas, dizem. Ou ainda: se alguém foi preso ou censurado é porque provavelmente disse mesmo "algo que não devia", fez "discurso de ódio", propagou "fake news", promoveu ideias "negacionistas", "anticientíficas", "antidemocráticas", ou "atacou" as instituições; então por que tanto "choro" e reclamação? Ainda é pouco para nos preocuparmos – dizem os inocentes, os incautos e, evidentemente, alguns mal-intencionados”.
Em entrevista ao podcast Em Anexo de A Investigação Maultasch explicou que não são protegidas pela Liberdade de Expressão incitações diretas à violência ou situações de dano iminente. Ele utiliza como base os princípios da Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, país onde a Liberdade de Expressão é assegurada a todos, independentemente de raça, religião, gênero ou etnia. Como exemplos de limites aceitáveis à Liberdade de Expressão temos ameaças diretas de agressão ou violência, situações que podem causar dano físico à população (como incitações ao suicídio ou doxxing).
Ele afirma que escreveu o livro para alertar que vivemos numa época de grande reversão, em que o antigo consenso pós-redemocratização em prol das liberdades fundamentais, em especial da Liberdade de Expressão, encontra-se enfraquecido e sob forte ameaça.
Para solucionar este problema, A Investigação criou o projeto Censurapédia, que visa compilar e documentar todos os casos de Censura ocorridos no Brasil nos últimos quatro anos, oferecendo uma plataforma para o diálogo e o intercâmbio de ideias sobre este tema. Defendemos que todas as pessoas têm o direito de expressarem suas opiniões sem medo de repressão ou punição, observando a ética e os princípios de não agressão. O projeto ainda está em desenvolvimento e pode contar com a ajuda dos internautas.
Censura x Liberdade de Expressão
A Censura é uma forma de opressão que busca limitar a capacidade de pensar e expressar livremente ideias e opiniões; utilizada como meio de controlar o pensamento, impondo restrições ao que pode ser dito ou publicado, suprimindo a diversidade e impondo uma única visão de mundo. Ela pode ser praticada pelo Estado, por instituições ou empresas privadas, como as redes sociais.
A Liberdade de Expressão é garantida por lei na Constituição Federal do Brasil, e é complementada, especialmente, pelo Marco Civil da Internet. Adicionalmente, sendo o Brasil membro da Organização dos Estados Americanos e signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nosso Sistema Judiciário deve observar as diretrizes dispostas por estes a fim de evitar infringir qualquer tratado internacional.
Na Constituição, o inciso IV do artigo 5º, estabelece que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Além disso, o inciso IX do mesmo artigo afirma que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". O tema é tão central que é retomado no artigo 220º, afirmando nos seus parágrafos primeiro e segundo que a Liberdade de Expressão é garantida, sendo vedada a censura de qualquer natureza. Também estabelece que a divulgação de ideias não constitui crime, sujeitando-se o autor, exclusivamente, às responsabilidades civis e ações decorrentes da Lei de Imprensa.
O Marco Civil da Internet, por sua vez, estabelece no inciso I do artigo 3º que a disciplina do uso da internet no Brasil deve garantir a "Liberdade de Expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal". O artigo 8º do mesmo documento afirma que a garantia do direito à privacidade e à Liberdade de Expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), diz que a liberdade de pensamento e expressão é a pedra angular de qualquer sociedade democrática. Já o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, garante o direito de toda pessoa à Liberdade de Expressão, aplicando-se especialmente à internet, já que é um meio singular para o exercício deste direito.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, por fim, estabelece no artigo 19 que "toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e de expressão; este direito inclui a liberdade de ter opiniões sem interferência e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras".
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