Biscoitos, pão seco, suco e uma refeição composta por arroz, feijão e farinha: estas são as refeições oferecidas aos alunos da escola de ensino integral Francisca Martiniano da Rocha, localizada no município de Lagoa Seca, a cerca de 9 km da capital paraibana, João Pessoa. Embora o Governo da Paraíba tenha preparado cardápios com previsão de serem servidos pratos como feijoada, lasanha e macarrão, os alunos relatam nunca os terem comido. Nem mesmo alimentos simples, como mandioca e melancia são servidos. Além disso, os alunos contam que a comida servida no almoço é sem gosto e mal preparada. Os lanches, que contém baixo valor nutricional, não conseguem mantê-los alimentados ao longo do dia.
Com apenas 8,39 % da população ocupada, segundo dados de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), muitos alunos de Lagoa Seca, cidade governada pela prefeita Dalva Lucena (PSDB), vêm de famílias humildes e dependem da comida servida no colégio durante o dia para terem o que comer. A escola é a única instituição pública de ensino médio da cidade de apenas 27 mil habitantes, segundo o Censo de 2020, e é administrada pela 3ª Gerência Regional de Educação, ligada à Secretaria de Educação da Paraíba.
Os relatos dos alunos sobre a precariedade da merenda estão presentes em uma denúncia encaminhada ao Ministério Público da Paraíba (MPPB), que também levanta a hipótese de um possível desvio dos recursos destinados à merenda na escola. Segundo a denúncia, os alimentos são adquiridos mensalmente pela gestão da escola, usando fundos provenientes de repasses do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Auxílio de Alimentação Escolar Integral (PAAE), ambos vinculados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) do Governo Federal, mas esses alimentos nunca foram efetivamente servidos na instituição de ensino.
Apesar da gestão afirmar que não há recursos suficientes para oferecer uma alimentação condizente aos cardápios do governo estadual, os documentos do processo judicial obtidos pela reportagem mostram a existência de saldos remanescentes, compras de mais de R$ 15 mil sem listagem de itens comprados, aquisições de itens superfaturados e cálculos inflados para que as verbas da escola se encaixem nas exigências do FNDE. O MPPB já está investigando o caso.
Alunos e funcionários da escola também contam que, logo após a administração tomar conhecimento da denúncia, em vez de haver apuração sobre as irregularidades, houve um assédio moral contra aqueles que questionavam a discrepância entre os alimentos listados no cardápio e a comida efetivamente servida na instituição. Alguns estudantes chegaram a organizar um pequeno protesto, porém, foram ameaçados de processos pela gestão escolar.
No documento de defesa da escola encaminhado ao Ministério Público a gestão argumenta que as denúncias estão sendo feitas, apenas, por “perseguição” do denunciante, um professor que atua no colégio há mais de 3 anos, o que a diretora classificou como uma “tentativa de colocar seu nome na lama”. Para tentar provar que o professor estaria fazendo uma espécie de “aliciamento de menores”. A defesa da escola fez ainda a exposição da identidade dos alunos, em capturas de tela que mostram o apoio dos estudantes ao servidor, não havendo nenhum tipo de censura de seus perfis nas redes sociais.
Apesar das discrepâncias, até o momento não há indícios do destino de parte das verbas recebidas pela instituição.
A denúncia
O documento encaminhado ao Ministério Público da Paraíba apresenta a incoerência entre a comida servida na escola e os valores que são recebidos e desembolsados mensalmente. A denúncia foi feita por Armando (nome fictício), que é professor da instituição há mais de três anos. A identidade do profissional será preservada pois este teme mais retaliações.
O servidor conta que, desde a troca da gestão escolar, em 2018, a qualidade da merenda e dos serviços oferecidos aos alunos teve uma queda drástica, levantando suspeitas sobre a administração das verbas recebidas pela instituição. Segundo ele, na gestão anterior as refeições oferecidas na escola estavam alinhadas aos cardápios elaborados pelo Governo da Paraíba, incluindo pratos como escondidinho, macarronada e outros alimentos com valor nutricional adequado.
Contudo, após a mudança na administração, a escola passou a fornecer suco, biscoitos e pão seco pela manhã, juntamente com caldos de legumes, arroz, feijão e farinha, sem qualquer fonte de proteína, além de bolinhos ou cuscuz no lanche da tarde. Embora haja variação ocasional nas opções do almoço, todas as refeições apresentam deficiência de nutrientes para os alunos que permanecem na escola em tempo integral.
O professor relata que começou a solicitar as informações ao Portal da Transparência e à 3ª Gerência Regional de Ensino, da Secretaria de Educação da Paraíba, porém, todas as vezes em que fez os pedidos os servidores responsáveis por atender suas solicitações colocavam impedimentos para fornecer as informações. Algumas semanas após seus pedidos não serem atendidos de forma remota, Armando foi pessoalmente até a Secretaria de Administração, em João Pessoa para solicitar os documentos referentes às prestações de contas da escola.
No entanto, obter esses documentos não foi tarefa fácil. Servidores tentaram persuadir o professor a desistir de sua solicitação, argumentando que os documentos não eram "tão importantes", questionando o motivo de seu interesse. Alegaram também que professores geralmente não se envolvem com cardápios ou merenda escolar.
Após um longo diálogo, Armando conseguiu finalmente ter acesso aos documentos necessários para fundamentar sua denúncia. Entre esses documentos estavam os cardápios elaborados pelo governo, os registros das verbas recebidas pela escola em 2022 e as notas fiscais das compras realizadas no mesmo período. Com essas informações, ele compilou um documento, incluindo evidências coletadas no dia a dia da escola, e o encaminhou ao MPPB.
A documentação apresenta fotos da merenda escolar servida diariamente, recibos das verbas, notas fiscais de compras realizadas e áudios de duas reuniões. Uma delas foi conduzida para ameaçar alunos que expressaram apoio a Armando, enquanto a outra foi realizada como uma espécie de "prestação de contas" para os alunos da escola.
Armando relata que, após realizar as denúncias em órgãos responsáveis, a comida servida na escola, que antes era precária, mudou completamente. “Depois das denúncias, houve uma mudança do dia pra noite e a regional até chegou a ir à escola. Mas, como não aconteceu nada, a comida voltou a ser o que era antes. Essa mudança não deve ter durado um mês”, conta.
Após receber os cardápios, o servidor os distribuiu para as famílias dos alunos da escola, que ficaram espantados com as diferenças. Os estudantes organizaram algumas mobilizações e mostraram apoio à Armando, mas foram reprimidos pela administração escolar. Ele relata ter enfrentado retaliações e menciona que a diretora do colégio não desejava que ele tivesse acesso às informações que havia obtido, tanto sobre o cardápio escolar quanto sobre os recursos recebidos pela escola para a aquisição de merenda e materiais destinados aos cursos de Comércio e Agroecologia, oferecidos pela instituição.
Essa não foi a primeira denúncia que o professor fez sobre a escola. Anteriormente, observando através do Portal da Transparência um possível "favorecimento" da administração escolar em relação a alguns professores, como o recebimento de mais horas livres e o não cumprimento de sua carga horária, Armando enviou uma denúncia sobre a discrepância ao MPPB. A inconformidade foi identificada pela 3ª Gerência Regional, que aplicou as medidas cabíveis na escola. Porém, até o momento, não há indícios de ações para investigar ou punir os possíveis desvios de recurso para merenda escolar.
Verbas recebidas
A reportagem teve acesso a documentos que confirmam os repasses feitos à escola, além das notas fiscais das compras realizadas com os recursos ao longo de 2022. A documentação revela que a escola recebe aproximadamente R$ 28 mil mensais referentes aos programas Programa de Auxílio de Alimentação Escolar Integral (PAAE) e PAAE regular. Esses programas são destinados, respectivamente, ao almoço e à complementação dos lanches na instituição. Além disso, a escola recebe parcelas variáveis do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), destinado à aquisição de lanches, sendo que essas parcelas variam conforme os atrasos de cada mês, mas nunca são inferiores a R$ 10 mil.
No total, a escola recebe 10 parcelas anuais referentes aos programas do Governo Federal. Em contraste, o Programa de Dinheiro Direto nas Escolas Técnicas (PDDE-TEC), sob responsabilidade do Governo da Paraíba, é pago à instituição em uma única parcela, sendo o valor de repasse em 2022 de R$ 39 mil.
Após as manifestações dos alunos, a diretora Michelle Santino Fialho convocou uma reunião geral para realizar uma prestação de contas. Na ocasião, ela explicou que a escola recebe R$ 19 mil do Programa de Auxílio de Alimentação Escolar Integral (PAAE) para o almoço, R$ 9 mil do PAAE regular para complementação dos lanches, e R$ 11 mil do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Dos R$ 19 mil destinados à verba de almoço, R$ 13 mil são destinados a despesas com itens básicos, como arroz, feijão, macarrão e carnes, enquanto cerca de R$ 6 mil são destinados à agricultura familiar, referente à compra de frutas e vegetais. Ao apresentar o cálculo, Michelle também alegou que a escola gasta aproximadamente R$ 1 mil em frango por dia no almoço dos alunos.
Também foi mencionado que a verba para agricultura familiar é uma diretriz do Governo Federal, determinando que 30% do valor recebido deve ser destinado a cooperativas e pequenos agricultores, selecionados por meio de editais específicos para cada escola. No entanto, essa informação não é totalmente correta, pois a regra dos 30% se aplica ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e não ao Programa de Auxílio de Alimentação Escolar Integral (PAAE), que, conforme a diretora, é o recurso utilizado para a aquisição de alimentos para o almoço.
Após a alegação, foi dito que os recursos da escola não são exclusivamente direcionados aos alunos, abrangendo também professores, alunos do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), e internos da unidade de internação Lar do Garoto “Padre Otávio Santos”, que fazem suas refeições na instituição. A gestão apresentou um cálculo que, supostamente, indica gastos de aproximadamente R$ 1,91 por pessoa em despesas de almoço e R$ 0,51 em despesas para lanches.
Também foram apresentadas inconsistências em relação ao número de pessoas beneficiadas: inicialmente, alegou-se que as refeições eram destinadas aos 430 alunos matriculados, mas o número aumentou para 502 (alunos e funcionários) e, posteriormente, para 670 (alunos, funcionários, alunos do EJA, e internos do Lar do Garoto). Os cálculos apresentados não consideraram os valores referentes a cada aluno matriculado.
Segundo o FNDE, os valores repassados pelo PNAE contemplam apenas alunos devidamente matriculados — incluindo alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). O número de alunos do EJA que estudam na escola não foi informado. Se as verbas estivessem sendo usadas conforme as diretrizes do FNDE, o valor per capita deveria ser de R$ 23,76 por mês para cada aluno, equivalente a R$ 1,33 por dia, conforme o número de alunos informado pela escola.
Em relação às verbas do PAAE, os cálculos apresentados indicam que cada aluno contaria com R$ 44,73 per capita para o almoço (cerca de R$ 2,23 por dia) e um "custo" de R$ 47,74 per capita para os lanches (totalizando R$ 2,38 por dia). É determinação do PNAE de que o valor per capita para alunos em regime integral deve ser de R$ 137 ao mês, aproximadamente R$ 1,37 por refeição diária. Conclui-se que os números apresentados pela gestão foram inflados, somando verbas não relacionadas ao PNAE para gerar números per capita maiores na prestação, visto que os valores destinados a cada aluno estão abaixo do exigido. Isso não foi informado durante a prestação de contas, onde a escola alegou dificuldades financeiras.
A disparidade entre a fala da gestora e a realidade financeira da escola foi evidenciada pela análise das notas fiscais obtidas pela reportagem. Algumas despesas não ultrapassavam R$ 8 mil, enquanto outras alcançavam valores superiores a R$ 15 mil, como a compra de R$ 21 mil em maio de 2022 em um mercado local.
Contrariando a alegação de insuficiência de verbas, a gestão escolar, alguns meses depois, em outubro, prestou contas de uma compra de R$ 27 mil realizada em "caráter emergencial", utilizando o saldo remanescente das verbas repassadas pelo FNDE. Apesar de afirmar que as compras eram alimentícias, o documento não apresenta uma lista discriminando todos os itens adquiridos com o montante. Nos meses subsequentes, foram realizadas compras de valores mais baixos, como os R$ 7 mil em frutas e legumes em dezembro de 2022, e aproximadamente R$ 6 mil em produtos de mercado.
Nos registros de recebimento das parcelas, é possível observar valores na categoria "valores a serem reprogramados", indicando que houve excedentes no valor total repassado à instituição. Das 10 parcelas recebidas pela escola, a soma dos "excedentes" atinge quase R$ 30 mil.
Nos documentos relacionados ao Programa Dinheiro Direto na Escola - Tecnologia Educacional (PDDE-TEC), a reportagem identificou dois problemas: a presença de itens superfaturados e a ausência de demais itens necessários para as aulas práticas dos alunos. Entre os Itens comprados a preços inflacionados estão uma Multifuncional HP Officejet Pro 7740 Wifi A3, com valor de mercado de R$ 2 mil, adquirida por R$ 4 mil, e uma Mesa digitalizadora One by Wacom, com preço de mercado de R$ 205, comprada por R$ 400. Além disso, alguns produtos listados na nota como comprados não foram entregues à instituição, incluindo uma furadeira Makita 1/2” HP1640K, uma serra circular Makita HS7010, uma serra Tico Tico Makita M4301B, uma bancada Multifuncional Ferrari MF-7 e um perfurador de solo com broca 20cm Toyama.
Segundo informações obtidas pela reportagem, o FNDE deu, no dia 10 de novembro, 10 dias para que a Secretaria de Educação da Paraíba prestasse esclarecimentos sobre o uso das verbas do PAAE e do PNAE, porém, não houve retorno da Secretaria.
Retaliações
Após tomar conhecimento das denúncias e das ações dos alunos, os gestores da escola iniciaram uma campanha de assédio moral e ameaças contra aqueles que questionassem o uso dos recursos e expressassem apoio a Armando. As retaliações começaram discretas, mas aumentaram com o tempo, conforme relatado pelo professor.
No dia 18 de agosto de 2023, a gestora da escola teria reunido cerca de quinze professores em uma sala de aula para reclamar do fato de Armando ter distribuído cardápios aos alunos, resultando em insatisfação quando descobriram as discrepâncias. Posteriormente, a diretora acompanhou os professores até a 3ª Gerência Regional de Ensino da Paraíba, responsável pela ECIT, para denunciar a suposta insubordinação de Armando e tentar removê-lo do quadro de professores. O número de docentes que acompanharam a gestora impediu a realização das aulas na escola naquele dia. Armando, no entanto, permaneceu no colégio, pois era seu dia de planejamento didático.
Na semana seguinte, funcionários da 3ª Gerência Regional foram à escola para conversar com Armando. Inicialmente intimidadora, a conversa mudou de tom quando Armando demonstrou conhecimento de seus direitos. Durante a discussão, a gerente principal da Regional admitiu que biscoitos, suco e bolinhos não eram alimentos adequados para os alunos, e esses itens foram removidos da escola pelos funcionários da regional.
Professores e outros funcionários passaram a evitar cumprimentar e interagir com Armando no dia a dia, levando-o a frequentar mais a biblioteca da escola. Ele relata que, ao perceber isso, uma câmera foi instalada sobre sua mesa de trabalho para "fiscalizar" suas atividades. Além disso, Armando afirma que professores de educação física haviam solicitado câmeras na quadra de esportes no passado, sendo informados pela gestora que a escola não tinha verbas para tal. Contudo, a câmera sobre a mesa de Armando foi instalada sem dificuldades.
Quatro alunos que participaram de manifestações, como postagens em redes sociais e uma denúncia feita ao Observatório da Alimentação Escolar, enfrentaram dificuldades. Eles foram convocados para uma reunião privada com professores e a presidente do Conselho Escolar, esta última não ministra aulas no período integral e não tem contato frequente com os alunos ao longo do dia. Na gravação obtida exclusivamente por A Investigação, a presidente do Conselho declara que as denúncias representam uma "falta de respeito" com a escola, enfatizando que os alunos deveriam aprender a demonstrar mais respeito pelos professores.
“Vocês estão solicitando ajuda, respeito, alimentação de qualidade, e isso eu entendo. Mas para pedir respeito, você primeiro tem que respeitar. Pois da mesma forma que existem direitos, existem deveres, e esse é o problema da postagem feita, pois afeta e desrespeita a imagem da escola”, disse a professora.
Após sua fala, a presidente do Conselho continua afirmando que os pais e responsáveis também seriam convocados para um "diálogo" sobre as denúncias, pois seriam "pessoas boas" que talvez não estivessem cientes do "comportamento" dos filhos no ambiente escolar. Ela chega a mencionar o nome de uma das alunas presentes na reunião, afirmando que "conhece os pais e a família". A aluna responde, indicando que os pais estão cientes da situação da merenda escolar e de seu envolvimento nas mobilizações.
Dois alunos questionam por que apenas um grupo seleto de pessoas foi escolhido para participar da "reunião de esclarecimento" e argumentam que essa reunião deveria incluir todos os alunos. No entanto, a mulher justifica que eles estão presentes porque foram nomes "repassados" à gestão da escola. Quando questionada sobre as tentativas de preservar a imagem da escola, a professora rebate, afirmando que o ato de "preservar a imagem da escola" está diretamente ligado à proteção da integridade dos alunos.
Armando permanece sem interagir com outros funcionários da escola. Em conversa com um colega, que também é professor, foi relatado que existe uma proibição em interagir com Armando. “Ele chegou em mim e disse: olha, o que acontece é que a gente é proibido de falar com você. Eu venho aqui, te dou bom dia, e sou repreendido por conversar com você”, conta. Para ele, há uma espécie de “movimento” para o calar através desse tipo de tratamento, visto que não foi possível retirar Armando do quadro de professores ou mover uma medida administrativa para prejudicá-lo.
Em 17 de novembro, a 3ª Gerência Regional de Ensino enviou ao Ministério Público da Paraíba uma defesa de 56 páginas elaborada pela gestão da escola. A gestora, Michelle Santino Fialho, argumentou que as evidências apresentadas por Armando são incoerentes e que ele está conduzindo uma "campanha de perseguição" a ela, supostamente desencadeada após a descoberta de discrepâncias na carga horária, confirmada pela própria gerência.
Michelle acusou Armando e seu irmão, também professor na escola, de "aliciamento de menores" devido ao apoio dos estudantes às manifestações. Apesar de expressar "preocupação" com a integridade dos alunos, a gestora fundamentou seu argumento usando capturas de tela das redes sociais dos alunos, menores de idade, sem censura, expondo-os em um processo judicial onde ela é acusada de assediar moralmente quem apoia Armando.
Embora seja um documento de defesa, a diretora não abordou as incoerências nos valores desembolsados e não mencionou os "problemas financeiros" da instituição, mesmo com saldos remanescentes. A cobrança de explicações por parte do FNDE também não foi mencionada. Armando já enviou sua defesa ao Ministério Público da Paraíba, e as movimentações judiciais estão em andamento. O professor observou que, desde os questionamentos de A Investigação, o processo passou a tramitar mais rapidamente na Justiça.
Relatos de alunos
A reportagem também conseguiu conversar com um dos alunos que foram chamados para a reunião. Giovana (nome fictício) estuda há cerca de 2 anos na instituição e afirma que sempre houve deficiência na merenda, contrariando a versão apresentada pela direção da escola. Segundo ela, a comida é sempre sem gosto e mal preparada. No lanche da manhã, é servido biscoitos com suco ou cuscuz seco, enquanto no almoço é servido feijão, arroz, farinha e sopas, todas com pouca ou nenhuma carne. No lanche da tarde, é servido biscoito, pão e bolinho.
Giovana explica que os alunos da escola nunca tiveram acesso ao cardápio antes de Armando mostrá-lo para os alunos. “Ele que nos trouxe o cardápio. Ficamos surpresos, porque no cardápio tinham comidas como feijoada, lasanha, macarrão, e nós nunca comemos. Também nunca vimos outros alimentos que estavam lá, como a melancia e a macaxeira”, disse.
A estudante foi convocada para uma reunião com outros três colegas após divulgar denúncias no Instagram. Durante a reunião, os docentes desqualificaram as manifestações como "coisa de criança" e alegaram falta de recursos para seguir os cardápios do governo. Houve também ameaças de acionar o Conselho Tutelar para responsabilizar os pais pela suposta "falta de postura" dos alunos manifestantes.
Giovana também mencionou que dois colegas presentes na reunião precisaram deixar a sala devido a crises de ansiedade durante o diálogo com os docentes. "Sofremos uma pressão psicológica terrível. Dois colegas meus tiveram crises de ansiedade e tiveram que sair. Foi uma experiência horrível", relatou.
Após a reunião, os alunos convocados passaram a ser monitorados por funcionários da escola. A estudante esclareceu que, desde o início das denúncias, ocorridas há quatro meses, a instituição não segue mais o cronograma padrão de aulas. Isso se deve à saída antecipada de alguns professores, resultando na liberação precoce dos alunos, já que não podem permanecer na escola fora do horário de aulas.
Embora a qualidade da comida na escola tenha melhorado temporariamente após as denúncias, ela voltou ao padrão anterior poucos dias depois. Durante o período de elaboração da reportagem, alguns professores compartilharam nas redes sociais a imagem de um almoço na escola, destacando peixe com arroz e expressando "saudades" do prato. No entanto, Giovana afirmou que, ao longo dos dois anos em que está na ECIT, nunca foi servido peixe para os alunos.
Ao mostrar algumas notas fiscais para que Giovana pudesse identificar os alimentos distribuídos na escola, ela assegurou que a grande maioria dos itens adquiridos pela instituição com os recursos recebidos nunca chegou a ser servida aos alunos. A única exceção foi a laranja, disponibilizada em quatro ocasiões após as denúncias feitas por Armando.
Outros casos
Não é a primeira vez em que escolas administradas pela Secretaria de Educação da Paraíba se envolvem em escândalos de desvio de recursos, o que levanta suspeitas sobre um possível esquema voltado para fraudes em merenda escolar no estado. Além disso, tanto o ex-prefeito de Lagoa Seca, Fábio Ramalho (PSDB) e o governador da Paraíba, João Azevêdo (PSB), já foram alvos de investigações sobre fraudes em licitação.
Em 2019, a Polícia Federal deflagrou a “Operação Famintos”, que tinha, como objetivo, investigar fraudes nas verbas de merenda escolar em escolas de Campina Grande e resultou na condenação de 17 pessoas, incluindo gestores, ex-secretários e assessores. Também em 2019, o Ministério Público da Paraíba recebeu denúncias sobre desvios de merenda e materiais de limpeza na Escola Estadual Doutor Dionísio da Costa, localizada no município de Patos, cidade que fica a cerca de 184 quilômetros de Lagoa Seca. Entre os investigados estavam um gestor, uma subgestora, uma secretária escolar, uma coordenadora pedagógica e uma técnica administrativa.
Neste ano, além da denúncia feita por Armando, outros dois relatos sobre irregularidade na merenda de escolas estaduais foram feitos: em agosto, um aluno da escola municipal Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, fez um discurso durante uma audiência pública alertando o governador da Paraíba, João Azêvedo, sobre a insatisfação dos alunos da rede estadual, afirmando que "não aguentam mais comer bolacha com suco".
Em reportagem publicada no portal Patos Online em 26 de novembro, a mãe de um dos alunos da Escola Dom Expedito, também localizada em Patos, relatou que a escola apresenta problemas estruturais, como salas de aula quentes, paralisação das aulas e alimentação inadequada para os alunos. Assim como os demais depoimentos feitos por alunos da rede estadual, na escola, os estudantes também estão sendo alimentados com biscoitos e suco.
O que dizem os envolvidos
Em comunicado, a Promotoria de Educação do Ministério Público da Paraíba informou que está ciente das denúncias e que os procedimentos legais estão em andamento.
Buscamos contato com a 3ª Gerência de Educação em três ocasiões nos dias 13, 14 e 16 de novembro. No dia 14, foi prometido que a gerente regional responderia aos questionamentos; contudo, até o fechamento desta reportagem, não obtivemos retorno.
Da mesma forma, tentamos contatar a Secretaria de Assistência Social de Lagoa Seca para verificar se o órgão estava ciente das ameaças feitas aos alunos, mas também não recebemos resposta.
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