De coach a candidato: o lado obscuro de Pablo Marçal

Polêmico coach, que se lançou como candidato à Prefeitura de São Paulo, enfrenta múltiplas controvérsias, incluindo condenações judiciais, investigações criminais, e críticas severas por suas práticas empresariais.

Por: David Ágape
19, ago. de 2024 às 19:37
De coach a candidato: o lado obscuro de Pablo Marçal
Imagem: reprodução Instagram

Coach, empresário e influenciador digital com mais de 20 milhões de seguidores nas redes sociais, Pablo Marçal é reconhecido hoje como um dos empresários mais bem sucedidos do Brasil, com um patrimônio declarado de quase R$ 200 milhões. Filho de uma faxineira e de um funcionário público, Marçal orgulha-se de sua trajetória ascendente, culminando na construção de um império nos setores digital e educacional, impactando milhares de vidas com suas palestras e cursos motivacionais.

Em 2022, Marçal tentou concorrer à Presidência pelo Pros, mas foi impedido pela Justiça Eleitoral devido a uma disputa interna pelo comando do partido. Posteriormente, candidatou-se a deputado federal por São Paulo, obtendo 243 mil votos, mas teve sua candidatura impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por questões relacionadas à regularidade do registro eleitoral.

Este ano, Marçal lançou-se como candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PRTB, posicionando-se como uma alternativa nova e independente no cenário político. Ele tem apostado em uma abordagem agressiva, utilizando intensamente as redes sociais. Sua estratégia inclui declarações polêmicas e vídeos que rapidamente viralizam. Nos debates, Marçal adota uma postura combativa, como ficou evidente em suas trocas de farpas com Guilherme Boulos (PSOL), chegando a insinuar que ele usa drogas.

Essa estratégia tem se mostrado eficaz. Na pesquisa Datafolha divulgada em agosto, Marçal aparece com 14% das intenções de voto, empatado tecnicamente em terceiro lugar com o apresentador José Luiz Datena (PSDB), que também tem 14%. Ambos apresentaram crescimento em relação ao levantamento anterior, onde Marçal tinha 10% e Datena, 11%. Na liderança estão o prefeito Ricardo Nunes (MDB) com 23% e Guilherme Boulos (PSOL) com 22%, ambos em empate técnico. 

Este posicionamento de Marçal tem atraído ataques dos adversários. Durante o primeiro debate para a prefeitura de São Paulo, a candidata Tábata Amaral (PSB) mencionou que Pablo Marçal foi condenado em 2010 a quatro anos e cinco meses de reclusão por furto qualificado, em um esquema que desviava dinheiro de contas bancárias por meio de sites falsos. Apesar da condenação, Marçal não cumpriu pena devido à prescrição do caso. Além disso, Marçal está sob investigação da Polícia Federal por suspeitas de crimes eleitorais, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica durante as eleições de 2022, relacionados a doações milionárias feitas à sua própria campanha, incluindo pagamentos a empresas de sua propriedade. Em 2023, foram realizados mandados de busca e apreensão em suas propriedades.

Nesta segunda-feira, 19, o Ministério Público Eleitoral (MPE) apresentou uma ação contra Pablo Marçal, pedindo a suspensão de seu registro de candidatura e a abertura de uma investigação por abuso de poder econômico. A promotoria solicita a cassação do registro de Marçal e sua inelegibilidade por oito anos. A ação foi motivada por uma representação do diretório municipal do PSB, ligado à candidata Tabata Amaral, que acusou Marçal de cooptar colaboradores para disseminar seus conteúdos nas redes sociais em troca de promessas de ganhos financeiros. O MPE considera essas ações como uma forma de financiamento de campanha não declarado, o que poderia desequilibrar a disputa eleitoral.

Essa controvérsia não é um caso isolado na carreira de Marçal, que traz para a política a mesma estratégia que o tornou famoso no marketing: "fale bem ou fale mal, mas fale de mim". Nos últimos anos, suas declarações extravagantes e absurdas têm viralizado nas redes sociais, como a vez em que afirmou ter acalmado um piloto de helicóptero durante uma pane, feito um cavalo dar ré apenas com as batidas do coração e recebido uma proposta de transplantar o conteúdo do seu cérebro para um robô chinês para que a máquina converse com as pessoas. Esse comportamento também se reflete em suas palestras, que, embora caras, são frequentemente marcadas por humilhações aos próprios participantes

Apesar de não contar com o apoio de Jair Bolsonaro, que apoia o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), Marçal atrai uma parcela significativa da direita brasileira que o vê como o único candidato verdadeiramente alinhado com seus ideais. No entanto, muitos desconhecem o outro lado de Pablo Marçal. Embora ele baseie sua autoridade em sua vida financeira e espiritual, seu império é, na verdade, um castelo de cartas erguido sobre a venda de sonhos.

Marçal é conhecido por enriquecer ensinando outros a ficarem ricos. Seus cursos, de valores exorbitantes, prometem uma prosperidade quase milagrosa, com afirmações grandiosas sobre desbloquear o potencial e transformar vidas, misturam um uso eficaz de gatilhos mentais, com fortes mensagens de apelo religioso. No entanto, relatos de participantes desses cursos revelam práticas duvidosas, incluindo pressão psicológica, manipulação emocional, e até mesmo o uso de técnicas de hipnose sem o consentimento explícito dos envolvidos.

Duas caras

No início de 2022, enquanto era pré-candidato à presidência, Pablo Marçal fez duras críticas a Jair Bolsonaro. Em uma de suas declarações, afirmou: "Bolsonaro é fruto de uma junção, de um ato sexual de Aécio Neves e Dilma Rousseff. Ele é como uma morfina, foi usado para diminuir as dores causadas pelos últimos governos do Brasil, mas não tem capacidade de levar o Brasil ao próximo nível." Em outra ocasião, declarou: "O brasileiro precisa acordar e perceber que Lula e Bolsonaro são a mesma figurinha. As ideias são as mesmas, mas são apresentadas de formas diferentes. Chega desses dois!"

Após ter sua candidatura barrada, Marçal mudou de posição e passou a apoiar Bolsonaro, chamando-o de “homem de honra”, que serve à nação desde os 18 anos de idade. Na sequência, o coach criou um canal no Telegram para mobilizar influenciadores digitais em apoio à campanha de Bolsonaro. Esse canal, que hoje conta com cerca de 50 mil integrantes, foi posteriormente renomeado para "Marçal Por São Paulo", para promoção de sua candidatura à prefeitura.

Em maio de 2022, Marçal entrou em conflito com o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e aliado de Bolsonaro. Malafaia, em resposta às acusações públicas de Marçal, divulgou um vídeo nas redes sociais em que expôs conversas privadas em que Marçal o bajulava buscando sua aprovação, enquanto publicamente o atacava com acusações de corrupção e ameaças.

Marçal chegou a ameaçar expor segredos comprometedores caso Malafaia voltasse a mencionar seu nome, incluindo uma suposta ligação com a Maçonaria, envolvimento em um golpe de bitcoin e questões pessoais sobre a esposa do pastor, insinuando que ela teria buscado tratamento nos Estados Unidos devido a problemas conjugais causados por Malafaia. O pastor classificou essas atitudes como "canalhice, difamação e calúnia". Marçal, que inicialmente havia pedido a Malafaia para não divulgar o vídeo, acabou fazendo um pedido público de desculpas.

Semanas antes, Marçal já havia sido criticado pelo pastor Anderson Silva, da Igreja Vivo por Ti, em Brasília. Anderson expôs nas redes sociais um áudio enviado por Marçal via WhatsApp, no qual o coach o menosprezava, chamando-o de "travado" emocionalmente, rancoroso e mentiroso. Em resposta, Anderson acusou Marçal de enriquecer à custa da dor alheia, usando a igreja e desrespeitando os verdadeiros líderes e pastores. “Você não tem nada, Pablo Marçal, do que verdadeiramente importa. Tudo o que você tem é o que o ego pode exibir e o dinheiro pode comprar. O bloqueado aqui é você. [...] Você é um mentiroso que usa a santa palavra de Deus”, disse o pastor, acrescentando que Marçal deveria se arrepender e nascer de novo.

A mistura de fé com as palestras motivacionais de Marçal ficou evidente durante um evento realizado em um estádio em Goiânia, no final de 2021, com cerca de 15 mil pessoas. O evento, que era o pré-lançamento do curso de desenvolvimento pessoal "O pior ano da sua vida", prometia um crescimento de 10 anos em um. Durante a apresentação, Marçal orou para que uma mulher paralítica na plateia voltasse a andar.

Ele pediu à mulher que mentalizasse estar no reino, andando e dançando com Jesus. Encorajou-a a "pegar com as mãos" o que faltava em seu corpo e a aceitar a cura, afirmando que suas pernas ganhariam força e seu corpo desatrofiaria. Em seguida, pediu que ela se levantasse. Emocionada, a mulher foi ajudada a se levantar, mas não conseguiu se manter em pé. A multidão gritava: "Você nasceu para andar!" Frustrada, ela foi recolocada na cadeira de rodas. Marçal, então, tentou entender por que a cura não aconteceu e, em um momento desconcertante, revelou que o marido da mulher havia se suicidado em fevereiro daquele ano.

Manipulação mental

O Método IP, um dos cursos mais emblemáticos oferecidos por Pablo Marçal, promete transformar a vida dos participantes, ajudando-os a desbloquear o potencial para alcançar a prosperidade em todas as áreas. Com custo de R$ 20 mil, o curso é vendido como uma solução definitiva para quem deseja prosperar em todas as áreas da vida. No entanto, relatos daqueles que passaram pela experiência pintam um quadro bem diferente do que é prometido nas propagandas.

Realizado em locais discretos, longe dos olhos do público e com medidas rígidas de segurança, o evento começa com a apreensão dos celulares dos participantes e a imposição de um sigilo absoluto sobre o que acontece lá dentro. Uma das participantes, Thais Terra, publicitária e estrategista digital de Vila Velha, Espírito Santo, fez questão de deixar registrado em uma plataforma de reclamações sua decepção com o curso. 

Segundo ela, o evento é marcado por práticas que beiram a manipulação psicológica, com longas jornadas sem pausas, condições inadequadas de acomodação e alimentação, e o uso de técnicas de hipnose e programação neurolinguística sem consentimento explícito. Thais também relatou que o conteúdo do curso incluía temas perturbadores, como a simulação de atos violentos e a discussão de assuntos sensíveis, como sexo, em frente a menores de idade.

Thais relata que foi pressionada a assinar documentos sem tempo para refletir, enquanto era submetida a uma espécie de "lavagem cerebral" que incluía desde mensagens sobre prosperidade até humilhações públicas. A promessa de transformação pessoal e profissional se misturava com momentos de tensão e desconforto.

“Uma das dinâmicas, por meio de hipnose, colocaram escrito ‘controle mental’ na tela de fundo. Pediram pra ler, repetir e escrever vermelho ‘sangue e instinto’, depois imitar um leão no chão, ajoelhado de quatro, passar a mão no chão e depois a mão no rosto e depois devorar e estraçalhar o cordeiro que salvou. Foi humilhante”, escreveu.  

À nossa reportagem, Thais disse não querer falar mais sobre Marçal e que parou de o seguir. 

Escalada e morte na maratona

Em janeiro de 2022, Marçal desafiou seus alunos a fazerem uma escalada no Pico dos Marins, na cidade de Piquete (SP), uma das montanhas mais altas e perigosas do estado, com histórico de mortes. Marçal prometeu aos cerca de 60 participantes "códigos que destravariam a mente" ao final da escalada. Apesar das condições climáticas adversas, incluindo chuva e ventos fortes de até 100 quilômetros por hora, Marçal incentivou o grupo a continuar, mesmo quando muitos expressaram cansaço e vontade de desistir. 

Metade do grupo abandonou a subida, mas as 32 que seguiram precisaram ser resgatadas pelos bombeiros após uma operação de nove horas. Com temperaturas beirando os 0º, em meio a chuva e ventania, integrantes do grupo corriam sério risco de morrer de hipotermia, segundo a equipe de resgate. Marçal minimizou os riscos, dizendo que "não obrigou ninguém a subir" e que os riscos faziam parte do processo de superação​. Afirmou também que a intervenção dos bombeiros foi realizada apenas por precaução, algo que refutado pelo capitão Paulo Roberto Reis, responsável pela operação. 

“O Corpo de Bombeiros não faz trabalho de precaução, somos um órgão público que atende emergência. Recebemos um chamado para mais de 30 pessoas perdidas, sem equipamentos, debaixo de chuva e pedindo apoio de resgate no Pico dos Marins. Foi isso que os bombeiros foram atender. E evitamos uma tragédia”, disse Reis. E acrescentou: “subir com um grupo de pessoas despreparadas e sem equipamento é colocá-las sob risco de morte. Essa foi a pior ação que a gente viu no Pico dos Marins”. 


Por causa do fiasco da escalada, a Justiça proibiu Marçal de organizar atividades externas em montanhas, rios, lagos e mares sem autorização da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Prefeitura e Defesa Civil. A decisão foi tomada pela juíza Rafaela Assumpção Cardoso Glioche, da Vara de Piquete, após pedido do Ministério Público de São Paulo, que investiga se Marçal pode ser responsabilizado por tentativa de homicídio por colocar os participantes em risco extremo.


Essa investigação do Ministério Público não se limitou apenas ao episódio no Pico dos Marins. Em maio deste ano, durante as gravações do reality show "La Casa Digital 3", Luiz Gabriel Godoy, um dos participantes, relatou ter sido alvo de agressões físicas, humilhações verbais e colocado em situações de risco. Godoy registrou um boletim de ocorrência e ingressou com uma ação judicial exigindo R$ 200 mil de indenização por danos morais. A situação se agravou ainda mais quando o advogado de Marçal, Tassio Renam, foi flagrado em vídeo tentando persuadir Godoy a desistir da queixa, oferecendo "ajuda" para "enterrar" a denúncia.


Mortes

Em outros eventos organizados por Marçal, as coisas não terminaram tão bem. Em uma maratona organizada por sua empresa, em junho de 2023, o jovem Bruno da Silva Teixeira, de 26 anos, morreu após sofrer uma parada cardíaca durante o desafio de correr 42 quilômetros, o dobro da distância originalmente proposta. O evento, realizado poucos dias depois de Marçal vangloriar-se de ter completado a mesma distância, expôs a pressão extrema exercida sobre os participantes, que, segundo relatos, eram incentivados a se superar a qualquer custo, sem a devida preparação ou cuidado com a saúde​. 

Bruno, que havia começado a trabalhar na empresa de Marçal apenas alguns meses antes, gravou um vídeo antes da corrida onde expressava sua surpresa com a mudança repentina: "Onde eu fui me enfiar?", disse ele. No 15º quilômetro da corrida, Bruno começou a passar mal e, apesar dos esforços dos colegas para socorrê-lo, não resistiu e faleceu. A família de Bruno, especialmente seu irmão, cobrou uma investigação rigorosa sobre o que aconteceu antes e depois da corrida, chamando o evento de "maratona da morte". Posteriormente, o laudo pericial apontou que o "esforço excessivo" pode ter sido a causa de um "infarto agudo do miocárdio" e matado o jovem.

Marçal declarou estar de luto pelo ocorrido, mas tentou se distanciar do incidente, afirmando que não estava diretamente envolvido com a corrida e que a maratona foi uma escolha pessoal de Bruno. Ele também insinuou que está sendo perseguido devido à sua notoriedade e seu futuro na política. “Respeita o cara, morreu novo. Mil e trezentas pessoas morrem por dia com problema de coração. Passa na porta aqui da minha empresa. Nós vamos ficar 70 dias com as bandeiras baixas, nós estamos em luto por ele”, afirmou Marçal em uma live.

Abusos e mais mortes

Outras mortes e relatos de abusos emergiram em conexão com Pablo Marçal e suas empresas. Ex-funcionários do coach e ex-candidato à Presidência denunciaram uma série de práticas abusivas, incluindo assédio moral, exploração, e até mesmo a morte de trabalhadores em condições suspeitas. Uma das mortes ocorreu em 2021, quando um trabalhador terceirizado, responsável pela limpeza de um prédio em construção ligado à Plataforma Internacional, uma das empresas de Marçal, passou mal e sofreu um acidente fatal. A defesa de Marçal alegou que todas as medidas de suporte foram tomadas e que a responsabilidade era da empreiteira contratada, mas a situação levantou questionamentos sobre as condições de trabalho nos empreendimentos do coach.

Outro caso recente envolve o técnico de audiovisual Celso Guimarães Silva, de 49 anos, que sofreu uma descarga elétrica enquanto trabalhava em um estúdio de Marçal, também vinculado à Plataforma Internacional. Celso caiu de uma altura de quase três metros após o choque, quebrando costelas, três vértebras e a escápula, o que acabou perfurando seu pulmão. Ele faleceu dois dias depois, deixando uma viúva e uma série de perguntas sem resposta sobre as condições de segurança no local de trabalho. A viúva de Celso expressou sua dor e indignação, questionando a falta de medidas adequadas de segurança: "Por que eles alugaram um estúdio sem as condições necessárias para a segurança? Por que o fio estava energizado? Foi negligenciado esse cuidado para que os profissionais realizassem o trabalho de forma devida."

As denúncias contra Marçal vão além das questões de segurança. Relatos de ex-funcionários também apontam para práticas de assédio moral e abuso psicológico. Um desses casos envolveu uma funcionária que, durante sua gravidez, foi trancada em uma sala e pressionada a revelar o conteúdo de suas mensagens de celular, em um ambiente de intimidação que quase resultou em aborto espontâneo. Após o incidente, ela foi demitida e ameaçada de que, se tentasse buscar seus direitos, enfrentaria represálias que poderiam comprometer seu futuro profissional.

O outro lado

Nossa equipe entrou em contato com a assessoria de Pablo Marçal, mas até o momento da publicação desta reportagem não obteve retorno.




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