A falsa narrativa da queda do preço da picanha

A suspensão das exportações de carne para a China foi motivada pela "doença da vaca louca". Redução dos preços pode não ter sido vantajosa para a economia do Brasil.

Por: Romulo Couto:
31, mar. de 2023 às 21:47
A falsa narrativa da queda do preço da picanha
Imagem: Dreamlike

Durante a campanha presidencial em 25 de agosto de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concedeu entrevista à TV Globo defendendo que o povo brasileiro precisa “voltar a comer churrasquinho, comer uma picanha e tomar uma cervejinha". No dia seguinte, o então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, respondeu às declarações em um programa de rádio criticando a esquerda por vender uma "ilusão de picanha para todos", acrescentando que não é possível fornecer filé mignon para toda a população. 

A retórica empregada durante a campanha eleitoral acabou por dar lugar a uma acirrada disputa de narrativas entre os apoiadores de cada candidato. Em decorrência desse embate, alguns dos apoiadores sustentaram que a referência à picanha consistia em mera metáfora, ao passo que seus oponentes passaram a afirmar que o potencial crescimento da economia também não passava de mera figura de linguagem.


Com a queda nos preços da carne bovina em janeiro (-0,47%) e fevereiro (-1,22%) de 2023, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apoiadores de Lula viram uma oportunidade de fortalecer a narrativa de que a economia está em alta e o poder de compra do povo está aumentando. O perfil CHOQUEI, popular no Twitter, publicou em 13 de março: “Após queda nos preços da picanha e do filé mignon, população faz a festa e saem de mãos cheias em supermercado do nordeste”. Até mesmo o perfil oficial do governo no Twitter publicou comemorando a redução de preço, insinuando ser uma conquista do governo.


Suspensão chinesa

No entanto, em 23 de fevereiro de 2023, a China suspendeu as importações de carne bovina brasileira devido a um caso confirmado de “doença da vaca louca” no Pará. Embora alguns discursos nas redes sociais sugiram que a queda nos preços da carne bovina era uma vitória de Lula, o governo, ciente que a suspensão das exportações para a China pode ter impactos significativos na economia brasileira e no setor de agronegócio, planejou uma viagem oficial à China com uma comitiva para discutir o assunto. 

A comitiva contaria com a presença do presidente Lula, do ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, e empresários do setor. Devido ao agravamento do quadro de saúde de Lula, broncopneumonia bacteriana e viral por influenza A, ele não pode realizar a viagem.

A comitiva contou também com a presença dos irmãos Batista, Wesley e Joesley, executivos da J&F Investimentos, holding que detém a JBS, uma das maiores empresas do ramo de processamento de carnes. Conhecidos dos noticiários, os irmãos possuem histórico polêmico. Ambos já foram presos e Joesley, em 2017, delatou Lula e Dilma na operação Lava Jato, revelando que teria pago até 150 milhões de dólares em propina aos ex-presidentes petistas. Além disso, ele gravou uma conversa pessoal com o presidente Michel Temer, em 2017, na qual teriam discutido uma possível compra de silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. O empresário ainda é investigado em outras operações, tais como Sépsis, Cui Bono?, Bullish e Greenfield.

Apesar disso, Carlos Fávaro defendeu a participação dos empresários: "Se alguém deve alguma coisa, que pague pelo que deve. Agora, é preciso olhar para frente. Em se cumprindo a legislação brasileira, seus compromissos, não tem porque não poder fazer parte da comitiva e estar buscando a ampliação dos seus negócios".

Segundo a CEO da casa de análises de investimento em ativos agropecuários Agrifatto, Lygia Pimentel, a queda no preço da carne também pode ser explicada pelo ciclo da pecuária. De acordo com ela, o ciclo pecuário é caracterizado por oscilações de preços reais que dependem do equilíbrio entre oferta e demanda, além de outros fatores como  festas e eventos religiosos como a quaresma e o Natal, custo da ração e insumos, disponibilidade da pastagem, cotação do dólar e condições climáticas. Tais flutuações são comuns na indústria e influenciam diretamente os preços. 

A queda no preço da picanha e carne em geral se limita a dois meses desse ano. Tentar extrapolar os dados do IPCA a partir disso é espalhar desinformação. Primeiro porque uma queda pontual só é importante se for o suficiente para reverter a alta acumulada em vários meses anteriores.

A picanha segue em uma alta de mais de 60% desde 2019, uma queda de 2% não altera o mercado de forma significativa. Os alimentos em geral acumulam alta no período 2019-2023, a picanha está longe de ser o corte mais consumido ou o mais acessível para população brasileira.

Levando coxão duro por picanha

No vídeo "Como Identificar A Verdadeira Picanha", o chef, churrasqueiro e empresário do setor gastronômico Marcos Guardabassi, falecido em 2013, explica em detalhes o que é a picanha e como identificar e reconhecer a qualidade de uma peça.

A picanha é um corte da região traseira do boi, limitada pelas três últimas veias. A terceira veia marca a “fronteira” entre a picanha e o coxão duro. O coxão duro é um corte do músculo da perna do boi, é bem mais duro que a picanha, e tem cerca de 25% da gordura da picanha (35 gramas x 8,9 gramas para cada 100 gramas). Ou seja, a picanha tem quase 4 vezes mais gordura que o coxão duro. O que determina a qualidade da picanha é:

  • a cobertura de gordura da peça;

  • alimentação cuidado com o gado que influencia tanto a cobertura de gordura como a qualidade da carne;

  • a limpeza e o preparo da carne na hora de tirar os nervos e membranas;

  • a presença de um pedaço de coxão duro na picanha.


Segundo Bass, "o peso ideal para ela, no rebanho nacional, não deve passar de um quilo, no máximo um quilo e cem”. As peças anunciadas como picanha nos supermercados que pesam 1,5 quilos ou mais nada mais são do que a picanha com um pedaço de coxão duro. Considerando que a picanha custa até quatro vezes o preço do coxão duro, as peças com coxão duro são mais baratas. A lei permite que os mercados anunciem a “picanha fatiada” que  é exatamente a divisa entre o coxão duro e a picanha, a ponta do coxão duro, que é bem mais barata que a picanha. Se fosse vendida como picanha, seria propaganda enganosa, mas chamar de “picanha fatiada” permite que eles possam vender coxão duro por menos da metade do preço de uma peça de picanha.

Vários apoiadores do presidente cometeram esse equívoco, o deputado federal Guilherme Boulos do PSOL, compartilhou uma foto da picanha fatiada como se fosse picanha. 


Outra forma de enganar o consumidor é cortar a alcatra como se fosse picanha. Porém esse tipo de "golpe" é mais usado em restaurantes, não em supermercados,

Supervisionado e editado por David Ágape.





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