Esquerda e direita batalham em eleição para o Conselho Tutelar

Votação ocorrerá neste domingo das 08h às 17h em cidades de todo o país

Por: Rachel Diaz
30, set. de 2023 às 16:07
Esquerda e direita batalham em eleição para o Conselho Tutelar
Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

Neste domingo (01), direita e esquerda voltam a se enfrentar em mais uma eleição. Dessa vez, cidadãos de todo o país poderão escolher novos representantes de seus respectivos municípios para o Conselho Tutelar. A eleição, que ocorre de forma unificada em todo o país a cada quatro anos, será responsável pela seleção de cerca de 30 mil novos integrantes para os conselhos tutelares. 

Ao contrário do que muitos possam pensar, o cargo não é obtido por meio de indicação. A eleição de novos membros está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), enquanto a escolha dos membros é estabelecida em lei municipal e realizada sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, com a fiscalização do Ministério Público.

Segundo o jornal Gazeta do Povo, é esperada uma taxa de adesão maior nas eleições deste ano do que as dos anos anteriores, reflexo do aumento do interesse da população em relação ao trabalho realizado pelos conselheiros e a busca geral por representatividade em repartições públicas. Apesar disso, informações básicas sobre as eleições de domingo vem sendo pouco divulgadas, tanto pelos veículos de comunicação quanto por canais oficiais de prefeituras de todo o país, o que acaba sendo desproporcional ao interesse da população sobre o assunto. 

Assim, os cidadãos engajados no processo eleitoral vem realizando o trabalho de divulgação através do diálogo nas redes sociais para que mais pessoas saibam das eleições e da importância de um bom voto para os próximos anos. Com mobilizações na internet, a eleição para o Conselho Tutelar se tornou um novo campo de batalha para o confronto ideológico do qual milhares de brasileiros têm sido testemunhas nos últimos anos.

Mas afinal, por que há tantas pessoas interessadas nessa eleição?

Polarização

Por causa de grande parte das divulgações estarem ocorrendo nas redes sociais, algumas das mobilizações apresentam caráter partidário. No dia 22 de agosto, a NOSSAS, ONG que tem organizado diversas campanhas para emplacar causas progressistas no governo, lançou a campanha “A Eleição do Ano”, voltada para falar sobre as eleições do conselho tutelar e para a indicação de candidatos alinhados à esquerda em cada município participante do pleito. Segundo o site da campanha, a plataforma foi criada para “garantir que os Conselhos Tutelares sejam ocupados por pessoas realmente comprometidas com o Estatuto da Criança e do Adolescente, conectando candidatos e eleitores”. 

Apesar do seu histórico de engajamento em campanhas de esquerda, no site da Eleição do Ano a NOSSAS não informa sobre o alinhamento político dos candidatos ali apresentados, o que pode induzir uma pessoa que não concorda com a vertente progressista a votar em algum desses candidatos. O movimento para a Eleição do Ano é apoiado pelo Instituto Vladimir Herzog, Grupo Alana, Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Meu Voto Pelo ECA, Coalizão Brasileira Pelo Fim da Violência, Observatório dos Conselhos e Coletivo Marginal. 

A NOSSAS é dona da plataforma utilizada pelo Sleeping Giants – grupo alinhado ao ativismo de esquerda que persegue indivíduos e jornais que não concordam com suas ideologias –  e é financiada por grupos bilionários como Open Society, OAK Foundation, Skoll Foundation, Tinker Foundation, Malala Fund, Instituto Avon e entre outros.

Uma das principais narrativas que estão sendo utilizadas pela esquerda nas eleições para o Conselho Tutelar é de que, supostamente, as candidaturas estariam sendo lideradas por pessoas ligadas a movimentos conservadores e/ou cristãos, caracterizando tais candidatos como “fanáticos e fundamentalistas religiosos”. Neste sábado (30), o Ministério Público Federal (MPF) solicitou ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) informações sobre as medidas tomadas para prevenir abuso de poder religioso e interferência de grupos religiosos nas eleições para conselheiros tutelares após uma ação movida pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos.


Esta ideia, porém, não se ampara na realidade: na última eleição, ocorrida em 2019, candidatos alinhados à esquerda ocuparam metade da porcentagem total dos eleitos no estado de São Paulo, onde há maior concentração de cargos e eleitores. Além da criação do site e do apoio dado por grandes organizações, a maioria das candidaturas lançadas para o atual pleito em São Paulo também é de candidatos alinhados à esquerda, o que demonstra a perpetuação da mobilização dos progressistas em relação ao Conselho Tutelar. 

Apesar da grande presença da esquerda nas eleições, grupos alinhados à direita em todo o Brasil também têm se mobilizado para a indicação de candidatos que estão de acordo com suas visões e princípios, utilizando as redes sociais para o trabalho de campanha e conscientização para a votação que está por vir. Para esses grupos, a eleição de conselheiros progressistas pode contribuir para o acobertamento de casos de pedofilia, facilitação de crimes, desestruturação de valores familiares e propagação da “ideologia de gênero”. 

Em seu perfil no Twitter, a advogada e comentarista política Stefanny Papaiano fez uma publicação reagindo a uma imagem de campanha produzida pela agência de marketing político BaseLab, que divulgava a campanha da NOSSAS afirmava que os evangélicos estariam dominando as eleições para o Conselho Tutelar, deixando explícita a intenção de eleição de candidatos progressistas. Stefanny, por sua vez, pediu para que seus seguidores indicassem candidatos alinhados à direita por causa da descentralização de informações sobre candidatos conservadores no pleito. 

Ao contrário da esquerda, que centralizou as indicações de candidatos em uma plataforma, a direita tem feito campanha através das redes sociais e aplicativos de mensagem. A consultora de viagens Márcia Diniz, de 54 anos, moradora do Espírito Santo, tem utilizado intensamente as suas redes sociais, nos últimos dias, para divulgar informações sobre as votações do Conselho Tutelar. A consultora, que se considera de direita, a mobilização da direita neste pleito é como um momento de “despertar”. 

“Esses espaços são historicamente ocupados pela esquerda. Neste momento, a direita está acordando, visto que o movimento político passou vários anos brigando com o ECA em relação a algumas questões problemáticas. Dessa vez, a direita busca seu lugar nesses ambientes para ser um agente de mudança e enxergar a realidade”, disse Márcia, que também relata que conhece pessoas que tiveram suas candidaturas impugnadas por causa de seu histórico religioso. 

Para Márcia, a falta de divulgação sobre as eleições e o processo de candidatura por parte das prefeituras é uma forma de perpetuar uma linha ideológica específica dentro do Conselho Tutelar. Ela explica que no município de Vila Velha, por exemplo, não foi possível preencher o número necessário de candidatos e suplentes para que a eleição ocorra sem turbulências pois muitas pessoas não sabiam que teriam eleições. 

“Geralmente, conselheiros tutelares são usados politicamente por vereadores e outras autoridades locais. Então, por mais que haja o processo eleitoral, muitas pessoas têm o voto influenciado por essas ações políticas”, relatou. 

Consequências de um voto ruim

Tanto a esquerda quanto a direita concordam com uma coisa: um voto inadequado nas eleições para conselheiro tutelar pode desencadear consequências sérias e negativas para as crianças e adolescentes que dependem desse órgão para a proteção de seus direitos fundamentais.

Ao escolher um representante não comprometido ou inadequado, a comunidade arrisca ter um conselheiro tutelar que não compreende a gravidade das questões que envolvem o bem-estar infantil. Isso pode resultar em uma abordagem negligente ou ineficaz diante de situações de violação ou ameaça aos direitos das crianças e adolescentes, podendo até contribuir, de forma indireta, para a facilitação de crimes contra esse público.

Conselheiros tutelares descomprometidos não cumprem com suas funções básicas, como garantir a presença de crianças na escola e realizar acompanhamentos. O conselheiro desqualificado também pode deixar de realizar intervenções adequadas em casos de omissão, maus tratos, agressão, violência psicológica e outras formas de violação de direitos, o que pode causar sequelas físicas e psicológicas na criança cujo socorro foi omitido pelo profissional responsável – o conselheiro.

Além disso, esses conselheiros podem não agir de maneira proativa nas etapas de prevenção de situações de risco e na conscientização da comunidade sobre a importância dos direitos das crianças e adolescentes, o que pode fazer com que crianças e adolescentes não saibam reconhecer situações de abuso e, consequentemente, não busquem o apoio necessário caso se vejam na posição de vítimas.

Todas essas possibilidades resultam no comprometimento da eficácia do Conselho Tutelar e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), deixando crianças e adolescentes vulneráveis a situações prejudiciais e limitando a capacidade do órgão de atuar em prol de seu pleno desenvolvimento e bem-estar, conforme manda a legislação.

O trabalho de um conselheiro tutelar

O Artigo 3º do ECA estabelece que crianças e adolescentes possuem todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, garantindo proteção integral. Isso implica proporcionar, por meio de legislação ou outros meios, oportunidades para o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, assegurando liberdade e dignidade.

Para efetivar essas disposições legais, é necessária a presença de um profissional: o conselheiro tutelar. Segundo o ECA, cabe ao Conselho Tutelar e seus membros intervir em situações de violação ou ameaça aos direitos de crianças e adolescentes, como omissão, maus tratos, agressão, violência psicológica e ameaças de morte. O conselheiro tutelar tem o papel de encaminhar essas situações aos pais ou responsáveis, por meio de termo de responsabilidade.

As atribuições dos conselheiros incluem oferecer orientação, apoio e acompanhamento temporários; garantir matrícula e frequência obrigatórias em instituições de ensino, se necessário; e promover a inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente. Eles também podem solicitar tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial e facilitar a participação em programas oficiais ou comunitários de auxílio, orientação e tratamento para alcoólatras e dependentes químicos.

O conselheiro tutelar age ao receber denúncias de violações ou ameaças aos direitos de crianças e adolescentes, mas também tem a responsabilidade de fiscalizar, mesmo sem denúncia. Em casos denunciados, ele mobiliza-se para compreender a extensão da violação, visando aplicar medidas de proteção que auxiliem a superação da situação difícil. As denúncias podem ser feitas diretamente nos conselhos tutelares do município ou através de denúncia anônima no Disque 100.

Escolhidos por votação, os conselheiros tutelares devem estar diretamente ligados à comunidade em que atuam, sendo vigilantes quanto a violações e trabalhando tanto em casos individuais como de forma coletiva para melhorar a realidade das comunidades. Além disso, desempenham um papel importante na prevenção e conscientização, colaborando com escolas e outras instituições abertas ao diálogo com crianças e adolescentes, bem como com os profissionais que nelas trabalham.

Como votar

Os locais de votação e a lista de candidatos podem ser consultados junto aos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente de cada cidade ou nos sites das respectivas prefeituras. A votação acontecerá no domingo (01), das 08h às 17h.

O eleitor maior de 16 anos, cujo título eleitoral esteja regular, poderá votar e deverá comparecer ao local de votação portando documento oficial de identificação com foto, título de eleitor e demais documentos solicitados pelo Conselho Tutelar de sua cidade. Em algumas cidades, o processo eleitoral contará com o uso de urnas eletrônicas dos modelos 2020, 2015, 2013, 2011, 2010 e 2009, mesmas versões presentes nas últimas eleições gerais em outubro do ano passado.

Nos municípios onde haverá a votação com urnas eletrônicas, estão aptos a votar os eleitores inscritos até o dia 3 de julho de 2023, e cada eleitor pode votar em até cinco candidatos a conselheiros. Para validar o voto, é preciso colocar o número de cada candidato e confirmar, até chegar à tela de "FIM". Para votar em menos de cinco candidatos, selecione “BRANCO” até aparecer "FIM".

Já para os municípios que não utilizarão as urnas eletrônicas, o Disque-Eleitor, da Justiça Eleitoral, fornecerá ao cidadão o telefone e endereço dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA - de cada cidade, que são os responsáveis por todos os esclarecimentos relativos às eleições dos membros do Conselhos Tutelares.

Os eleitos cumprirão mandato de 2024 a 2027. A cerimônia de posse está prevista para dia 10 de janeiro do ano que vem. O voto é facultativo, e cada cidade pode escolher cinco novos representantes para o trabalho no Conselho.

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