Depoimento de David Ágape no Senado

Os bastidores da censura no Brasil e a interferência de autoridades brasileiras nas plataformas de redes sociais, evidenciadas pelo Twitter Files Brasil, foram revelados.

Por: David Ágape
27, ago. de 2024 às 22:58
Depoimento de David Ágape no Senado
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Em 11 de abril de 2024, participei da Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado, onde prestei depoimento sobre as interferências de autoridades brasileiras nas plataformas de redes sociais, reveladas pelo Twitter Files Brasil. A audiência, proposta e presidida pelo senador Magno Malta (PL-ES), contou também com a participação do jornalista Michael Shellenberger, que, junto comigo e com o jornalista Eli Vieira, produziu o Twitter Files Brasil.

Durante meu discurso, que durou cerca de uma hora, apresentei um mapeamento detalhado da censura no Brasil, conectando-a ao Complexo de Censura global e mostrando como essa rede de controle opera tanto no país quanto no exterior.

Com as recentes revelações da Vaza Toga, que têm detalhado os bastidores da censura no TSE, é fundamental relembrar os alertas que fiz naquela época. O que denunciei está agora sendo comprovado, desmentindo os detratores que desacreditaram e menosprezaram as revelações dos Twitter Files.

O texto abaixo é a íntegra do meu depoimento, com apenas algumas correções nos erros de digitação e correções de vícios de linguagem. Também incluí duas correções factuais, detalhadas ao final do texto, e alguns comentários contextualizando com os novos fatos da Vaza Toga e outras revelações de investigações recentes.

Meu discurso estava originalmente planejado para abordar apenas o Twitter Files, mas aproveitei a ocasião para desentalar aquilo que estava preso na minha garganta há muito tempo. Imagino que pude representar milhões de outras vozes igualmente sufocadas. Mas, por causa disso, me expus demais e, por isso, passei a ser perseguido. Mas não me arrependo; faria tudo de novo.

Introdução

Meu nome é David Ágape. Sou jornalista investigativo e trabalhei em conjunto com meu amigo Eli Vieira, jornalista da Gazeta do Povo, e com Michael Shellenberger, que dispensa apresentações. Nós trabalhamos na investigação do Twitter Files, que revelou que a censura e a tentativa de controlar o discurso na internet não vêm apenas do STF, do TSE ou do Judiciário, mas também de uma gama de atores e instituições. E não se trata apenas de censura, mas também de tentativas de violar os direitos de privacidade dos cidadãos brasileiros. Graças a esses novos arquivos, conseguimos mostrar mais detalhes sobre como essa censura tem funcionado.

Muitos influenciadores, jornalistas e militantes têm tentado desmerecer as denúncias, dizendo que não é nada demais, que isso já foi visto antes. Estamos tão imersos em um ambiente de censura hoje que, muitas vezes, nem percebemos, como na fábula do sapo dentro da panela. O sapo entra na panela; se ela está fervendo, ele pula, se assusta, mas, se a água na panela começa a esquentar lentamente, o coitado do sapo não percebe até que vira um ensopado. Nós somos esse sapo, mas ainda temos tempo de pular dessa panela fervente.

Outro ponto importante que precisa ser destacado é que essa não é uma questão de esquerda ou direita. A censura à liberdade de expressão atinge a todos. Embora hoje a esquerda no Brasil seja a principal defensora da censura — historicamente, no Brasil, pelo menos, não foi exatamente assim — e a direita seja a maior perseguida, essa questão não se limita a questões ideológicas ou partidárias. Até porque, num futuro próximo, as mesmas pessoas que hoje defendem a censura podem ser vítimas dela, como já vimos em alguns casos.

A censura nunca tem esse nome; ninguém diz que vai propor um projeto para censurar as pessoas. Historicamente, em diversos países que aplicaram censura em massa, em ditaduras, projetos de censura eram disfarçados como iniciativas para combater fake news, discursos de ódio ou até mesmo questões de atos obscenos: "Vamos combater a obscenidade!". Tudo isso com o intuito de controlar o que as pessoas dizem, controlar a opinião pública. E as redes sociais, que revolucionaram a comunicação entre as pessoas, são hoje o palco dessa censura, que parece interminável e tenta nos cercar de todos os lados.

Após a vitória de Donald Trump, em 2016, houve uma grande mudança nos rumos dos poderosos: eles perceberam que precisavam controlar as redes sociais. Não apenas manipulá-las, mas controlá-las. Perceberam que não tem como controlar as redes, mesmo com projetos de censura. O discurso continuará sendo feito, mesmo que com menor intensidade. Nesse momento, as agências de inteligência e o deep state americano — que ganharam muito poder a partir da Guerra ao Terror, iniciada após o ataque de 11 de setembro nos Estados Unidos — voltaram-se contra os cidadãos dos Estados Unidos com medidas de censura e repressão.

Surge, então, um esquema de repressão global e de restrição da liberdade de expressão, com a participação de diversos atores nesse processo. Ao longo das nossas investigações, percebemos que os mesmos atores que agem na censura e repressão americana também trabalham na censura brasileira — e vamos detalhar isso. Tudo começou a ser revelado a partir do Twitter Files americano, em que Elon Musk liberou os arquivos internos de conversas do Twitter para jornalistas investigativos como Matt Taibbi, Bari Weiss e o próprio Michael Shellenberger. Esse material deu origem à teoria e aos estudos do Complexo Industrial da Censura.

As Três Frentes da Censura no Brasil

Ao longo das investigações que fizemos no Brasil sobre a censura — estamos mapeando essa censura —, percebemos que ela vem de três grandes frentes. Este diagrama é um panorama geral, mas é importante notar que o quadro é muito maior, mais complexo, envolvendo mais atores e detalhes. No entanto, já oferece uma visão de como as instituições se conectam em prol da censura.


Fonte: André e Rafael Vidal/ Carol Bicudo/ David Ágape/ Raphael de Lavor/ Tom Sarti

Legislativo

Primeiro, destaco a censura que emana do Legislativo. O PL das Fake News era, ou ainda é, uma das maiores propostas para regular o discurso na internet, trazendo os maiores riscos à liberdade de expressão no país. Nesta semana, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que não votará o projeto — o que foi motivo de comemoração para muitos —, mas também anunciou a criação de um GT, um grupo de trabalho, com o objetivo de criar uma nova lei do zero. Isso gera preocupação, pois os grupos de trabalho geralmente são selecionados a dedo e concluem seus trabalhos de maneira célere, sem grande discussão com a sociedade.

O ministro do STF, Dias Toffoli, decidiu liberar, a partir dessa decisão do presidente da Câmara, o julgamento de uma ação que trata da responsabilização dos provedores de redes sociais por conteúdos gerados por terceiros. Dessa forma, o projeto, ou parte do projeto do PL das Fake News, seria aprovado pelo Supremo, sob a justificativa de que: "Já que a Câmara não atua, já que o Congresso não atua, nós atuaremos". E já vimos o Supremo legislando em outras ocasiões. O problema é que já temos uma legislação que regula as redes sociais: o Marco Civil da Internet. Essa é uma legislação robusta, aprovada em 2014 e sancionada pela então Presidente Dilma Rousseff após diversas discussões e debates com a sociedade. Portanto, a justificativa de que não há uma lei, de que a internet é uma terra sem lei, não procede.

Executivo

A censura também vem por parte do Executivo. O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro, durante a campanha de 2022, que iria regular as redes sociais de qualquer maneira. Uma das primeiras ações do Presidente, após sua eleição e posse, foi conversar com o Ministro Alexandre de Moraes, que pediu que ele também regulasse as redes. Uma das primeiras medidas do Governo Lula foi a criação da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), que hoje está sob a responsabilidade da Advocacia-Geral da União (AGU). Apesar do nome atraente, esse órgão tem atuado como o "Ministério da Verdade" do Lula, perseguindo personalidades que desagradam ao Governo. 

Judiciário — STF

Por parte do Judiciário, que é definitivamente o principal foco de censura nos últimos anos — e duvido que alguém consiga discordar dessa afirmação —, a censura tem sido feita, inicialmente, no STF, através de diversos inquéritos, muitos sigilosos, ou seja, ninguém sabe o que está sendo feito nos bastidores. Muitas pessoas investigadas não sabem por que estão sendo investigadas, não têm acesso à íntegra das investigações, e essas investigações parecem infinitas. O inquérito das fake news já comemora cinco anos — feliz aniversário, Alexandre! Esses inquéritos, além do das fake news, incluem o inquérito das milícias digitais, que têm diversas irregularidades já reconhecidas por juristas e são conduzidos pelo Ministro Alexandre de Moraes de forma truculenta.

Após os comentários de Elon Musk, feitos em reação às revelações que fizemos no Twitter Files Brasil, Alexandre de Moraes incluiu Musk no inquérito das milícias digitais. Isso ocorre por causa de uma interpretação feita pelo STF de um artigo do seu Regimento Interno, o art. 43, que permite que os Ministros abram inquéritos de ofício para investigar crimes cometidos nas dependências do tribunal. Fizeram uma interpretação, digamos, freestyle, de que a internet também é uma dependência do tribunal, e, portanto, qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, pode ser atingida e alcançada pelo STF. Através desses inquéritos, Alexandre de Moraes se tornou investigador, acusador, vítima e juiz, tudo ao mesmo tempo. E tudo isso tem ocorrido com a leniência das instituições, que acreditam que a direita e o Bolsonaro são um grande risco para a democracia, e que essa quebra constitucional é para o bem maior. 

Muitos, hoje, já começaram a voltar atrás — algumas instituições, alguns jornais, alguns editoriais. Eu destaquei, nas redes sociais, que editoriais e jornais de grande importância já evidenciaram essas ilegalidades, mas isso não parece ter afetado a Suprema Corte, até porque Alexandre de Moraes não decide as coisas sozinho. É importante destacar também a ação do Ministro em relação a esses inquéritos, escolhendo a dedo os integrantes das operações da Polícia Federal. Há uma ala dentro da Polícia Federal que atua em consonância com os interesses do Ministro. E, durante as investigações, conversei com policiais federais que alegam estar com medo — muito medo — tanto de expressar suas opiniões pessoais quanto de uma possível vigilância por parte de seus superiores.

Judiciário — TSE

Outro grande ator do Judiciário para a censura no Brasil é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem ampliado significativamente seu poder e aplicado medidas autoritárias. Um exemplo destacado em nossas investigações é que, inicialmente, em 2017, o TSE criou uma espécie de seminário interno para considerar a ideia de regular as redes e combater — entre aspas — "fake news". Nessas primeiras reuniões, inicialmente secretas, participaram integrantes do FBI, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e agentes da Inteligência do Exército, além de ONGs. 

Nessas primeiras conversas, já começaram a ser apresentados os conceitos que foram aplicados na eleição de 2022, conceitos externos — como disse Alexandre de Moraes em seu último pronunciamento, "alienígenas". São conceitos trazidos do Complexo Industrial da Censura americano para o Brasil, ideias de grandes think tanks, organizações bilionárias que aplicaram a censura nos Estados Unidos, e agora esses conceitos eram trazidos para o nosso país. Muito da censura aplicada nos últimos anos não poderia ter ocorrido sem esse embasamento teórico. Progressivamente, o TSE foi aplicando essas medidas, criando mais estratégias, e tudo isso, claro, sob a justificativa de combater fake news e discursos de ódio, que não são tipificados em nenhuma lei brasileira — é importante destacar isso. 

Apesar das limitações de tempo em 2018, o TSE expandiu seu poder nos anos seguintes: criou o Programa de Enfrentamento à Desinformação, que se tornou permanente em 2021; alterou sua estrutura orgânica para criar uma assessoria especial de inteligência; foram criados grupos policiais dentro do TSE — hoje são vários núcleos de inteligência no TSE.

Mas foi em 2022, já na administração e presidência de Alexandre de Moraes, que o TSE deu uma guinada ainda mais autoritária. O TSE estabeleceu uma agência de inteligência, uma polícia secreta a serviço direto de Alexandre de Moraes. Ele era o comandante desse grupo, e não houve supervisão alguma. A Abin, por exemplo, é uma agência de inteligência que tem supervisão, regulamento e regimento interno. Já esse núcleo de inteligência de Alexandre de Moraes não tinha. Ele fez o que quis durante o período eleitoral de 2022, e muitas das medidas de censura aplicadas foram baseadas em relatórios produzidos por esse grupo. 

Ainda durante as eleições de 2022, às vésperas do segundo turno, o então advogado do Presidente Lula, Cristiano Zanin, afirmou ter documentado um ecossistema de desinformação. É interessante pontuar que a Rede Globo — e eu não tenho nada contra ela — publicou esse relatório como se fosse uma investigação policial já finalizada; não colocou que era uma suspeita, nem destacou que era uma investigação interna de um partido, de um candidato político, ou seja, que tinha todo o interesse em acusar seus adversários. Havia muitos conflitos de interesse, e a Globo publicou isso sem critério algum. E Alexandre de Moraes acatou prontamente esse pedido e censurou em massa os adversários de Lula.

Nossa equipe fez uma análise e encontrou pelo menos 80 personalidades, entidades e empresas censuradas nas redes sociais no último período eleitoral. Muitos vão falar: "Nossa! Mas é pouco, só 80?". Não, são personalidades, políticos, artistas, influenciadores, e nisso não entra o povo em geral, que provavelmente é muito maior. No entanto, não temos como saber quantas pessoas foram censuradas. Por quê? No ano passado, o jornal Folha de São Paulo solicitou, via Lei de Acesso à Informação, ao TSE dados sobre contas bloqueadas ou removidas durante o período eleitoral, e o TSE negou esse acesso; ou seja, o sigilo permanece. Não sabemos a extensão total da censura durante o período eleitoral. Censurados pelo TSE

Vou destacar alguns casos de pessoas censuradas durante esse período. Luciano Hang, proprietário da rede de lojas Havan, foi censurado em suas redes sociais, Twitter, YouTube, entre outros [Hoje o bloqueio de Hang completa 2 anos sem prova de crime]. No Twitter, por exemplo, ele tinha mais de 800 mil seguidores. E qual foi o crime de Luciano Hang? Participar de um grupo de WhatsApp com empresários que faziam vários comentários. O TSE, a partir de uma reportagem do portal Metrópoles, que obteve prints destas conversas, censurou não só Luciano, mas também os outros empresários que participavam do grupo. Mas qual era a denúncia? — é importante destacar. Esses empresários “defendiam” um golpe de Estado. Vou destacar um dos comentários: "Olha, eu prefiro um golpe de Estado do que a eleição do Lula." Só que esse comentário não foi feito por Luciano Hang. Ele não fez nenhum comentário, seja de golpe, seja do que for nesse grupo, mas, mesmo assim, ele foi censurado e ainda permanece.

Homero Marchese, advogado e Deputado Estadual pelo Paraná, foi censurado em novembro de 2022, por ordem do Ministro Alexandre de Moraes. Segundo o Deputado, seus advogados só tiveram acesso ao processo cerca de 17 dias após ligarem. Eles tiveram que ligar para o gabinete de Moraes para entender o que aconteceu. Aí descobriram que Homero havia publicado nas redes sociais um banner com o endereço da palestra ¹, divulgado pelos próprios organizadores do evento e pela imprensa, em Nova York, onde discursariam os Ministros do Supremo. No entanto, esse banner era público na internet. Mesmo assim, a conta foi censurada sem direito de pleitear ou reclamar. 

[O caso de Marchese foi uma das últimas revelações da Vaza Toga].

Vários jornais, veículos de imprensa e jornalistas foram censurados durante as últimas eleições — vou destacar. O jornal Gazeta do Povo sofreu censura do TSE por causa de uma publicação que citava o apoio notório do Presidente Lula, do candidato Lula à época, à ditadura da Nicarágua. A Rádio Jovem Pan foi proibida pelo TSE de discutir fatos envolvendo a prisão de Lula. Ela foi proibida de discutir isso, de falar sobre isso em toda a sua programação, seja no rádio, seja na TV, seja nas plataformas digitais, e uma multa diária de R$25 mil foi estipulada para os jornalistas ou a emissora em caso de descumprimento. Isso resultou na saída de vários jornalistas e comentaristas renomados da Jovem Pan, como Ana Paula Henkel, Rodrigo Constantino e Guilherme Fiuza. Depois, inclusive, o Ministério Público chegou a pedir o cancelamento de três frequências de transmissão concedidas à Jovem Pan, alegando alinhamento com campanhas de desinformação.

O site O Antagonista foi censurado, obrigado a deletar uma reportagem que trazia áudios de um membro de uma conhecida facção criminosa manifestando preferência pelo candidato Lula, além de ser proibido de mencionar a censura em artigos subsequentes, ou seja, mais um caso de censura prévia. É importante destacar — inclusive, eu escrevi uma reportagem sobre isso — que o apoio das facções a Lula não é novo, é antigo, vem desde as décadas de 90. Essa facção, inclusive, chegou a propor colocar uma bomba em um prédio privado, na bolsa de valores, para tentar forçar o voto no candidato de Lula ao governo de São Paulo, José Genoíno;  e coagiu familiares de presos para que eles votassem nele ². Então, esse apoio não é novidade para quem acompanha a história. No entanto, O Antagonista foi censurado. 


Lembro que o mesmo grupo, proprietário da revista Crusoé, foi um dos primeiros censurados pelo inquérito das fake news por causa da reportagem "O Amigo do Amigo de Meu Pai", em que se denunciava que o Ministro Dias Toffoli estaria envolvido com pessoas ligadas a casos de corrupção. [O caso está bem documentado no livro Censura Por Toda Parte, do advogado André Marsiglia]. Esse episódio, inclusive, gerou ampla condenação na época por entidades jornalísticas e instituições. Só que, nos anos seguintes, essa censura se tornou banal, porque o alvo passou a ser os bolsonaristas.

A produtora de filmes Brasil Paralelo recebeu censura no seu documentário “Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro”, em outubro de 2022, pelo TSE. A decisão proibiu a exibição do documentário até o final das eleições presidenciais e suspendeu a monetização do canal da Brasil Paralelo no YouTube, ou seja, censura prévia, mais uma vez, que é condenada pela Constituição Federal. Apesar de condenar o retorno da censura, a Ministra Cármen Lúcia votou a favor da decisão. 

Ela destacou isso, há vídeo dela falando que acreditava que a censura é algo ruim, mas que essa decisão era algo excepcionalíssimo. Com todo o respeito, Ministra, a censura não tem sido excepcional no Brasil. E o conceito de desordem informacional, que é um dos conceitos que citei, importados do Complexo Industrial da Censura americano, foi utilizado pelo TSE para justificar essa censura. O que é esse conceito? "Olha, não é mentira o que ele está dizendo, mas a verdade que está sendo dita pode causar confusão na mente das pessoas." Ora, como se pode controlar como as pessoas vão reagir ou o que vão pensar em relação a isso?

Outro censurado nesse processo foi o conhecido podcaster Bruno Aiub, conhecido como Monark. Monark tem sofrido uma perseguição implacável. Alexandre Moraes, em 2023, ordenou a remoção de todo o conteúdo de Monark na internet. Querem fazer com que ele desapareça online. Para alguém que vive de redes sociais, vive do trabalho online — muitas pessoas no Brasil hoje vivem disso —, apagar essa pessoa online é apagar a existência dessa pessoa, é impedir que ela consiga sua subsistência. Monark, após receber uma multa substancial, foi obrigado a sair do país. Hoje, Monark é exilado nos Estados Unidos. E a censura a Monark veio a partir de relatórios produzidos por aqueles grupos de inteligência do TSE, criados para espionar os cidadãos sem supervisão. E qual foi o crime de Monark? Dizer que ele tinha simpatia pelas pessoas que protestavam no 8 de janeiro. A partir disso, ele sofreu uma censura inicial; recusou-se a obedecer a essa censura, tentou contornar; e, a partir daí, foi recebendo punições cada vez mais severas.

Por último, destaco a censura a Marcos Cintra, economista, ex-Secretário da Receita Federal do Brasil e candidato a Vice-Presidente na chapa presidencial da Senadora Soraya Thronicke. Portanto, Marcos Cintra é um opositor de Bolsonaro, não pode receber a pecha de bolsonarista, mas foi censurado no Twitter após levantar questões, fazer perguntas sobre o processo eleitoral. Eram perguntas. Um cidadão não pode duvidar? Precisa ter uma obediência cega ao processo eleitoral? 

Destaco que não fiz nenhum comentário sobre as questões envolvendo a urna eletrônica nas últimas eleições, porque acredito que precisaria ter muito mais subsídio para fazê-lo. Dediquei-me a investigar outros pontos, e são esses pontos que estou trazendo para vocês; pontos que, muitas vezes, passaram batido e não tiveram tanta atenção quanto a questão das urnas. Mas não tiro a razão de quem tem dúvidas e gostaria que essas dúvidas sobre o pleito eleitoral fossem respondidas. Radiolão

Outro ponto importante que precisa ser destacado das eleições de 2022 foi o evento chamado "Radiolão". O Radiolão foi uma denúncia protocolada pela campanha de Jair Bolsonaro, que alegava que Lula estava sendo favorecido nas inserções de propaganda eleitoral em rádios do Nordeste, um reduto tradicionalmente de Lula. Alexandre de Moraes não apenas arquivou a denúncia, como incluiu Bolsonaro e o partido dele no inquérito das milícias digitais. Na ocasião, fiz uma checagem independente, que concluiu não apenas que o método de auditoria utilizado pela campanha de Bolsonaro era viável — fizemos uma análise extensa com base no material disponibilizado, e é importante destacar que seria necessária uma auditoria em todo o material, mas fizemos apenas com o material que foi disponibilizado. Descobrimos que não apenas o método era válido, mas que havia uma discrepância de até uma hora a mais para o PT nas rádios que analisamos, em cada rádio.

Além disso, Alexandre de Moraes foi induzido ao erro, por assim dizer, ao arquivar a denúncia com base em um estudo com sérios problemas metodológicos. Na ocasião, um servidor do TSE, que já havia mencionado essa questão das inserções desde 2018, quatro anos antes, foi retirado, sem explicações, do TSE. Ele teve que responder a dois processos disciplinares, foi demitido uma vez, e agora o TSE está tentando demiti-lo uma segunda vez, se é que isso é possível. Qual é o medo de se investigar essas denúncias? As eleições municipais estão chegando; os problemas de inserção são reais. Vamos ter uma auditoria feita sobre isso ou continuará sendo deixado para lá? Lembro que as vítimas das inserções podem ser quaisquer candidatos de qualquer partido. Ministérios da Verdade

O Governo Lula, juntamente com o Supremo Tribunal Federal, agora tem cerca de três organizações diferentes que podemos considerar ministérios da verdade. No início deste ano, o TSE anunciou a criação do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação em Defesa da Democracia. Vamos chamá-lo apenas de Ciedde. O nome é grande, bonito, pomposo, mas o que esse órgão fará? Na prática, as mesmas atividades dos núcleos de inteligência do TSE, agora institucionalizado e com parcerias. Agora foi anunciada parceria não só com a Anatel, que disse que vai utilizar seu poder de polícia a serviço do TSE, quanto com o próprio "ministério da verdade" do Governo Lula, que é a Procuradoria de Defesa da Democracia, sob responsabilidade da AGU.

Revelações do Twitter Files

Agora, especificamente sobre o Twitter Files, quais foram as revelações que fizemos durante essa investigação? Esses são apenas alguns dos principais pontos. Existem outros, que estão nas publicações feitas sobre isso. A caça às hashtags
O primeiro foi uma
caça a hashtags. Hashtags são aqueles termos com o que, se não me engano, se chama cerquilha — todo mundo sabe o que é uma hashtag. Se você clicar nela, consegue ver todas as publicações feitas sobre aquele assunto. O TSE fez uma caça a hashtags específicas no Twitter e forçou o Twitter a caçar essas hashtags — quem publicou e quem compartilhou essas hashtags — podendo atingir até 41 mil tuítes. Em uma das decisões, o Ministro Barroso deu cinco dias para que o Twitter revelasse quem eram as primeiras pessoas que publicaram essa hashtag e também os endereços de IP dessas pessoas. O IP não revela onde você mora especificamente, mas mostra uma localização geral, além de mais dados sobre o usuário.

Acreditamos que o TSE fez isso para tentar comprovar a teoria de que eleitores de Bolsonaro, ou melhor, que o próprio Jair Bolsonaro, seus apoiadores ou pessoas próximas utilizavam-se de robôs para impulsionar suas narrativas. No final das contas, após essas solicitações, o Twitter descobriu que isso não ocorreu. Essa prática foi questionada pelo departamento jurídico do Twitter, que alegou que isso violava o Marco Civil da Internet. Essas ações refletiram os esforços do TSE em antecipar atividades ilegais que pudessem afetar as instituições, conhecidas como atividades de pesca probatória, pré-crime, ou atividade conhecida, que ficou famosa no filme Minority Report. Isso foi uma clara violação à privacidade dos usuários.

Exigência de dados sem ordem judicial

Há também o caso do Ministério Público de São Paulo, que pediu dados cadastrais de uma conta e uma investigação sobre uma liderança do PCC. O Twitter negou esse acesso, porque essa solicitação feria o Marco Civil da Internet. Como resposta, o Ministério Público entrou com processo contra o advogado do Twitter no Brasil, Rafael Batista. O importante nesse caso não é apenas essa tentativa de violar o Marco Civil da Internet, mas, nas mensagens internas, os integrantes do Twitter mencionaram que o promotor alegou que a atitude do Twitter era uma ação isolada, porque todas as outras grandes empresas de tecnologia — Google, Facebook, Uber, WhatsApp, Instagram, que são da Meta — fornecem dados cadastrais e números de telefone sem ordem judicial. Nós questionamos essas empresas e não tivemos retorno. Não sabemos a extensão dos dados que estão sendo enviados por essas grandes empresas de tecnologia para o Ministério Público ou para os órgãos do Judiciário sem ordem judicial adequada. O Twitter recorreu, ganhou na primeira instância e ganhou na segunda instância.

É importante destacar que agora, nos últimos dias, em 9 de abril, a advogada Estela Aranha, ex-Secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça do Governo Lula — que saiu, aparentemente, recentemente do Governo —, acusou meu colega Michael Shellenberger de ter tentado manipular o debate público ao apontar uma imprecisão em um tuíte que ele fez, atribuindo o caso ao Alexandre de Moraes. Só que Estela Aranha tenta resumir todo o caso do Twitter Files a esse caso específico, dizendo: "Olha, não tem nada a ver com o TSE, não tem nada a ver com liberdade de expressão. Isso tem a ver com o combate ao crime organizado". Ela desinformou seus seguidores; foi compartilhado por vários influenciadores, incluindo Felipe Neto, e nossa equipe passou a ser atacada a partir disso, sendo acusada de ser defensora de facção criminosa, o que não é verdade. 

Esse é outro tuíte de Estela Aranha: “Então, não tem STF, TSE, não tem Ministro Alexandre de Moraes, não tem liberdade de expressão ou debate político. Esses trechos de comunicações internas entre funcionários do Twitter nada têm a ver com o STF e foram usados para manipular o debate”. [esse trecho teve sua ordem invertida para melhor entendimento]

Estela Aranha tem sido figura frequente na imprensa para criticar nosso trabalho, só que ela se esqueceu de dizer — na publicação que fez, ela traz trechos da decisão judicial sobre o caso —, de avisar os leitores dela qual foi o resultado daquela decisão. A Desembargadora Claudia Fonseca Fanucchi deu razão ao Twitter, repreendeu o promotor por forçar uma obrigação inexistente e destacou que o pedido não tinha clareza sobre o objetivo da investigação criminal. A magistrada também reforçou que atos que buscam identificar informações privadas e constitucionalmente protegidas exigem revisão judicial prévia. As informações estavam contidas no documento que ela publicou, mas foram omitidas por ela. 

Isto aqui não é um ataque à Estela; é apenas uma explicação porque muitos têm tentado desmerecer o nosso trabalho. Criaram teorias da conspiração de que Elon Musk está tentando roubar o lítio — para baterias — do Brasil; que há uma conspiração internacional, bancada por bilionários, para destruir a soberania nacional; que a extrema-direita internacional tem se articulado para acabar com o Governo Lula, com o Supremo e a democracia no Brasil, o que não é verdade. Nada disso é verdade.

A investigação do Twitter Files começou por ideia minha. Propus ao Michael, e ele abraçou a ideia. Além disso, somos apenas jornalistas, cumprindo nosso ofício de contar a verdade para a população, para revelar o que está escondido. 

CPIs

A CPI da Pandemia foi outro foco que encontramos dentro do Twitter Files. É importante destacarmos que a pandemia de Covid-19 foi um grande agente de mudança em prol da censura no mundo — não só no Brasil. Em uma das trocas de mensagens do pessoal jurídico do Twitter, foi mencionado que a CPI da Pandemia queria quebrar o sigilo de mensagens privadas, conhecidas como DMs, e o IP, entre outros dados, do perfil Movimento Conservador, anteriormente conhecido como Direita São Paulo. O requerimento foi feito pelo Senador Rogério Carvalho, do PT de Sergipe. 

O Senador pedia a quebra do sigilo no Twitter, mas veja só o argumento que ele utilizava para quebrar o sigilo dessa conta no Twitter: era uma publicação feita no Instagram — do mesmo movimento, mas no Instagram — que trazia uma notícia da Agência Reuters, uma conceituada agência de notícias internacional, sobre a Universidade de Oxford estar explorando, estudando a ivermectina para o tratamento da covid-19. Inclusive, não aparece ali, mas embaixo aparece a legenda: "divulgação de medicamento sem estudo científico", algo assim, sendo que a própria publicação era sobre estudos científicos que estavam em andamento. 

E qual o problema dessa publicação? A legenda que aparece lá em cima: "Hum, Bolsonaro tem razão?". É uma pergunta. Só que o Senador queria quebrar o sigilo das mensagens privadas dessa conta, numa pesca probatória mais uma vez. O Twitter rejeitou esse pedido, num primeiro momento, mas o Movimento Conservador só soube que estava sendo vítima dessa medida de quebra de sigilo após saber sobre isso na imprensa. Essa medida, segundo o Twitter, também não atendia aos requisitos do Marco Civil da Internet. O movimento conservador apelou, então, ao STF, e o Ministro Nunes Marques atendeu a esse pedido, dizendo que a medida era ampla e genérica e não atendia aos requisitos legais. Só lembrando que a CPI da covid-19 vazava informações que eles tinham obtido a partir de quebra de sigilo. Vazou para veículos amigos da imprensa. Vazou da Deputada Carla Zambelli.

Vamos concluir aqui falando sobre a última fase do Twitter Files [esta foi a segunda, houve ainda uma terceira], que é o caso do youtuber Felipe Neto, que, embora não envolva medidas judiciais, envolve uma tentativa de censura nas redes sociais. Felipe Neto foi um dos maiores apoiadores do Governo Lula nas últimas eleições. Ele foi chamado para ser integrante, no Ministério dos Direitos Humanos, de um grupo para elaborar medidas para combater discurso de ódio e fake news na internet. Mas Felipe Neto é um mentiroso contumaz e um dos principais disseminadores de ódio no Brasil hoje. Ele impulsiona esse ódio nas redes sociais, ataca pessoas, como, por exemplo, a jornalista Andreza Matais, que trabalhava no Estadão e cuja equipe revelou a visita de uma mulher ligada a facções criminosas nos ministérios do Governo Lula. Felipe Neto publicou o rosto dessa mulher, dizendo: "Quem financia a dama das fake news", e Andreza passou a receber diversos ataques.

Felipe Neto, segundo os últimos documentos aos quais tivemos acesso, teve acesso a pessoas importantes dentro do Twitter e fez lobby para que um tuíte publicado pelo jornalista Allan dos Santos fosse deletado. Parte da equipe queria atender a esse lobby e realizar uma reunião privada, fechada, com Felipe Neto, mas um dos integrantes do jurídico do Twitter disse que era melhor não fazer, alegando que Felipe Neto “não é uma pessoa confiável”, e eu concordo com isso. Allan dos Santos vive hoje exilado nos Estados Unidos; há um pedido de prisão contra ele no Brasil. Alexandre de Moraes tentou extraditar Allan dos Santos através de um pedido à Interpol, mas o Governo americano não atendeu a esse pedido, porque lá eles têm a defesa da Primeira Emenda, que o Brasil não tem, e, pelo que o Governo americano entendeu, Allan dos Santos estava sendo perseguido por uma criminalização de opinião. [A Vaza Toga revelou recentemente que os auxiliares de Moraes disseram em mensagens que queriam mandar jagunços irem buscar Allan dos Santos nos EUA]. Conclusão

Por fim, gostaria de destacar que Elon Musk tem feito diversas e sérias denúncias nas redes sociais. Não tenho acesso a Elon Musk, não sou amigo dele, mas acredito que ele possa ter informações valiosas sobre o processo de censura no Brasil. Ele mencionou que pretende revelar essas informações, e espero que o faça de forma ampla e transparente. [Elon Musk entregou as informações ao Congresso Americano que, posteriormente, publicou um relatório detalhado sobre a censura no Brasil]. 

Agradeço o tempo e a paciência de vocês e me coloco à disposição tanto desta Casa quanto da Câmara dos Deputados e dos demais Parlamentares para contar a verdade, relatar o que temos visto. Coloco-me também à disposição do Brasil para mostrar o que tem sido feito nos bastidores para minar a nossa liberdade de expressão.

Recebi ataques nas redes sociais. Um jornalista que trabalha em uma TV pública divulgou meus dados pessoais, meu endereço... Passei a receber ameaças por causa disso. Entendo que a crítica faz parte do jogo. Refutar teorias e denúncias faz parte do processo, mas ataques baixos como esse não devem ser aceitos.

Muito obrigado. Correções

  • ¹ Me equivoquei em minha fala no Senado ao dizer que Marchese divulgou o local do hotel, não o local do evento.

  • ² Esta fala estava incorreta. Tanto o atentado a bomba frustrado quanto a coação de familiares de presos promovidos pelo PCC tinham o objetivo de eleger o candidato de Lula ao governo de São Paulo, José Genoíno, não o próprio Lula. Este único erro foi destacado por portais e militantes de esquerda para desmerecer o depoimento de uma hora. Prontamente fiz a correção no X, que também foi alvo de protestos de militantes. Precisei fazer uma tréplica para esclarecer de vez os fatos. 



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