Atração Fatal: jovens idolatram atiradores de massacres escolares

Embora os ataques sejam cometidos majoritariamente por homens, mulheres expressam admiração por atiradores e apoiam os massacres.

Por: Rachel Diaz
07, mai. de 2023 às 11:58
Atração Fatal: jovens idolatram atiradores de massacres escolares
Foto: Pixabay

Em 2019, uma jovem de 18 anos foi procurada por três dias pelo FBI e encontrada morta em Denver, Colorado. Investigações iniciais revelaram seu envolvimento com a "Columbiners", comunidade de admiradores do Massacre de Columbine no Tumblr, levantando suspeitas de que ela tentaria um ataque semelhante em "comemoração" ao crime, que completaria 20 anos.

Descrita pelos amigos como "engraçada e gentil", Sol acreditava ser a alma gêmea de Eric Harris, um dos responsáveis pelo Massacre de Columbine. Dizendo que só se encontrariam após sua morte, Sol saiu da Flórida, onde morava, e voou mais de 2,5 mil km até chegar ao Colorado, onde comprou uma arma próxima à Columbine High School e se suicidou.

No Brasil, o mês de abril foi marcado por uma série de atentados violentos em escolas. As razões por trás dos ataques ainda estão em investigação, mas muitos acreditam que o bullying e a influência de terceiros podem ter sido fatores motivadores. Todos os ataques foram cometidos por homens, porém diversas jovens demonstraram admiração pelos responsáveis pelos atentados nas redes sociais.

Na subcomunidade brasileira da "True Crime Community" no Twitter (TCCTWT), que reúne pessoas aficionadas em Crimes Reais, mulheres não apenas demonstraram admiração pelos criminosos, mas incentivaram e apoiaram abertamente os atos cometidos, muitas vezes referindo-se aos responsáveis pelos ataques como seus “namorados” ou “alunos”. Isso não é algo novo na subcomunidade, visto que dentro do espaço virtual é possível encontrar várias garotas que  desenvolveram um sentimento romântico por Guilherme Taucci, um dos atiradores do Massacre de Suzano (2019). Em várias postagens do TCCTWT brasileiro, as mesmas garotas compartilharam fotos, vídeos editados e até mesmo declarações de amor direcionadas a Taucci.

Membros mais antigos relatam que, após o massacre de Suzano, a comunidade passou a incluir pessoas planejando as próprias ações criminosas e massacres em escolas. Algumas das meninas que expressam sentimentos por Taucci interagem com os criminosos em potencial, e algumas dizem ser próximas o suficiente para sugerirem a forma que os crimes serão cometidos.

Após um incidente em uma escola particular de Manaus em 10 de abril, duas meninas que se envolviam com a TCCTWT afirmaram terem se envolvido no planejamento do crime, o que ainda não foi confirmado pela polícia. Na sequência, Júlia e Isabela (nomes fictícios) celebraram a ação e trocaram mensagens sobre as ideias que deram ao adolescente responsável pelo ataque.

“Eu que dei a ideia das bombas de garrafa (referindo-se aos coquetéis molotov), pena que ele não chegou a usar”, disse Júlia. Em resposta ao tweet, Isabela diz: “Eu dei a ideia de começar pelas meninas (risos)”.


Outras meninas, além de expressarem admiração pelos atiradores, planejam ataques e interagem com membros da TCCTWT. Em uma conversa, duas delas discutem sobre roupas e acessórios para usar no dia de seus supostos massacres. 


“Tô pensando em usar isso [uma máscara de caveira] e mais uma roupa toda preta com coturno”, escreve uma. “Vai ficar ainda mais foda com a arma”, escreve outra. 


Todas as envolvidas compartilham admiração por Guilherme Taucci e outros criminosos que cometeram massacres em escolas. Embora alguns membros da TCCTWT planejem crimes, há integrantes que não apoiam os atos de Guilherme ou apenas "admiram sua forma de pensar".


Amanda (nome fictício), membro da comunidade, conversou conosco. Ela está na comunidade desde 2018 e gostava da visão de mundo de Taucci, mas não mais enaltece seus atos. "O que me atrai em atiradores é a mente deles, como veem o mundo. Eu gosto bastante de como Guilherme Taucci pensava e gostaria de ter alguém assim por perto", disse.


“Ultimamente, tem muitas pessoas se dizendo ‘atiradores’ na subcomunidade, e pra mim, são todos crianças. Eu odeio o que estão fazendo. Estou na comunidade desde 2018 e claro, sempre teve gente que enaltecia, inclusive eu já fiz isso. Mas tem criança colocando ‘TCC’ na descrição do Twitter e ‘pagando’ de terrorista. Isso é ridículo”, concluiu.


Do TCCTWT às “panelinhas de Discord”


Vitor Guidini, de 21 anos, é estudante de Sistemas da Informação e é um dos administradores de um perfil no Twitter focado em denunciar pessoas com ideais terroristas e extremistas. Vitor se infiltrou por um tempo em alguns grupos de Discord que enaltecem os atos criminosos de atentados em escolas.


Vitor relata que sentiu como se tivesse “entrado em outro mundo”, onde o racismo, pedofilia, misoginia e outros comportamentos problemáticos são normalizados. Nesses servidores, é frequente o vazamento de fotos e vídeos íntimos de meninas menores de idade e a disponibilização de materiais que exaltam o nazismo e atiradores em massa. É comum ver os indivíduos que interagem com esse tipo de conteúdo utilizando fotos de terroristas como imagens de perfil.


Segundo o estudante, a maioria dos membros do TCCTWT está presente nas “panelinhas de Discord”. “Hoje em dia, os servidores do Discord estão funcionando como uma forma de ‘chan’ na Surface. Nessas panelas é comum ver pessoas publicando ‘edits’ de assassinos, apoiando os atentados escolares e entre outros. Tudo isso junto com a glorificação do nazismo”, relata.


Com a onda de ataques em escolas ocorrida no mês de abril, vários membros dos servidores comemoraram os atos, demonstrando o desejo de ver registros das ações dos criminosos, incluindo os assassinatos. Eles também demonstraram euforia ao ver a cobertura midiática que os atentados estavam recebendo.


Vitor também aponta a grande quantidade de meninas nesses ambientes. “Elas geralmente se comportam igual aos outros, e compactuam, na maioria das vezes, com ideais nazistas. Algumas delas também demonstram ódio voltado para grupos específicos de pessoas”, diz. “Já vi menina apoiando abuso sexual infantil e dizendo que crianças devem ser molestadas. O modo de agir delas não se difere do modo de agir dos meninos: ambos procuram chocar quem estiver lendo”, completou.


Muitas das meninas das ‘panelinhas de Discord’ são menores de idade, e é comum que, ao longo dos diálogos, elas busquem constantemente ferir algum grupo social, seja com piadas racistas ou outros tipos de preconceito. 


Recentemente, uma reportagem do portal Metrópoles divulgou casos de meninas que foram torturadas, chantageadas e humilhadas em servidores do Discord. Segundo as investigações da polícia, as garotas eram aliciadas pela internet ou pela vida real, posteriormente sendo submetidas a abusos psicológicos, sexuais e físicos sob ameaças, tornando-se “escravas virtuais”. Os membros dos servidores davam ordens para que as garotas engajassem em atividades degradantes ou criminosas, como automutilação, violência contra animais e até mesmo zoofilia. 


Todas essas ações ocorriam na presença dos membros dos servidores – até mesmo outras meninas – que se mostram indiferentes ou apoiam a violência cometida. 


Há indícios de que alguns desses servidores estejam ligados a possíveis grupos de incentivo à massacres, informação que foi informação que foi noticiada por A Investigação no último dia 22 e, até o momento, não há notícias sobre possíveis investigações em andamento que foquem no monitoramento das panelinhas. No entanto, alguns dos membros dessas comunidades já foram expostos e denunciados por perfis independentes no Twitter.


“Síndrome de Bonnie e Clyde”


Muitos criminologistas utilizam o termo “hibristofilia”, ou “Síndrome de Bonnie e Clyde”, para descrever o fenômeno de mulheres que se sentem atraídas sexualmente por criminosos e assassinos em série. A condição é considerada uma parafilia, palavra utilizada para descrever “comportamentos frequentes, intensos e sexualmente estimulantes que envolvem objetos inanimados, crianças ou adultos sem consentimento, ou o sofrimento ou humilhação de si próprio ou do parceiro.“


Etimologicamente hibristofilia vem do grego hybris, algo que passa da medida, pode-se definir também como insolência, presunção ou soberba. Já a palavra filia faz referência a amor. A hibristofilia descreve a atração sexual ou desejo por indivíduos com um histórico criminal, e é mais prevalente entre mulheres. Foi o psicólogo e sexólogo John William Money quem primeiro mencionou esse comportamento nos anos 50, classificando-o como uma patologia e uma forma rara de parafilia.


No Brasil, o termo é extensamente associado ao caso de Francisco de Assis Pereira, o “Maníaco do Parque”, criminoso que matou sete mulheres e atentou contra a vida de outras nove no Parque do Estado, em São Paulo (SP), entre 1997 e 1998. O assassino em série foi condenado a mais de 280 anos de prisão por crimes de estupro, estelionato, atentado violento ao pudor e homicídio. Um mês após ser preso, o serial killer brasileiro já havia recebido cerca de mil cartas de mulheres interessadas em conhecê-lo e outras se declarando apaixonadas por ele.


Para José Olinda Braga, professor do Departamento de Psicologia da UFC (Universidade Federal do Ceará), a pessoa que sente atração está impulsionada por "fantasmas" mal resolvidos do seu universo psíquico. "Muitas vezes são pessoas que passaram quando criança/adolescente por situações de violência doméstica ou sexual, abuso psíquico etc., e não conseguiram, de certa forma, resolver isso nas relações sociais", aponta o professor em entrevista ao portal UOL, em 2022.


Segundo Gisele Oliveira, uma estudante de Direito de 23 anos que compila alguns dos casos de atentados em escolas em seu perfil no Twitter @schooltragedies, as meninas criam empatia pelos criminosos através dos materiais divulgados. 


“Não me recordo de ver meninas glorificando os atos cometidos, mas é comum ver várias que criaram sentimento de afeição após verem os manifestos, depoimentos de conhecidos, relatos pessoais. Geralmente, elas costumam expressar o desejo de ajudá-los de alguma forma, de lidar com os problemas”, disse.


Na mesma reportagem do portal UOL o psiquiatra Leonardo Morita, do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP), ressaltou alguns perfis de mulheres que apresentam comportamentos característicos da hibristofilia.


  • As que romantizam: consideram que a falta de amor foi o estímulo para o crime, e que o amor delas fará com que a pessoa se regenere (em geral, são pessoas que sofreram abusos no passado); 


  • As que se excitam: estar com alguém que transgride o que nós, enquanto sociedade, suportamos gera para elas um tipo de excitação, ou mesmo relacionamento excitante; 


  • As que buscam fama: quando se trata de um criminoso notório, muitas vezes elas acabam conquistando uma notoriedade, sendo objeto de notícia (midiática).


Morita também disse à reportagem que era importante considerar a possibilidade dessa atração ser fruto de um desejo reprimido, ou seja: a possibilidade da mulher se identificar, em algum nível, com o criminoso que está fazendo algo que ela mesma gostaria de fazer, mas que não tem coragem para tal. Alguns psicólogos também apontam problemas familiares e de autoestima como possíveis fatores para a “Síndrome de Bonnie e Clyde”.


A tese também pode ser observada nos comportamentos que Vitor identificou durante o período em que ficou infiltrado nas panelinhas. “Por serem menores de idade, elas sempre estão buscando chamar a atenção de alguém, seja para conseguir validação masculina ou para suprir a falta de atenção que está presente em suas casas”, disse. 


O estudante também relatou que acredita que não só as meninas, mas grande parte dos membros dos servidores criminosos do Discord foram negligenciados por seus pais em algum momento da vida, seja por falta de atenção ou por apoio às atitudes problemáticas dos filhos.


“No final de tudo, elas só estão em busca de atenção e estão dispostas a fazer o que podem para recebê-la. Mesmo que, para isso, elas tenham de permanecer em ambientes onde elas são vistas como ‘escória’, um pensamento bastante comum que é compartilhado entre muitos dos criminosos que fizeram atentados em escolas e seus admiradores. Mesmo com toda a misoginia, elas permanecem lá”, relatou.


Até o momento, nenhum atentado à escolas foi registrado desde o dia 13 de abril, onde um aluno de uma escola em Salvador, na Bahia, invadiu uma escola portando uma faca dizendo que havia sido “orientado” a atacar colegas e professores, no entanto, a possibilidade de futuros ataques não é descartada.


Uma coisa é certa: futuros ataques continuam sendo planejados, e para cada um dos criminosos, terão duas ou três meninas dispostas a apoiar suas visões distorcidas de mundo e glorificar os atos de violência cometidos contra aqueles que eles julgam como “merecedores” de receber. 


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