TRE-AL dá parecer favorável em denúncia semelhante de Bolsonaro no “Radiolão”, diferente do TSE
Duas emissoras de rádio locais foram obrigadas a transmitirem direito de resposta de um dos candidatos governo de Alagoas
Reportagem publicada em 5 de março de 2023
Em 26 de outubro de 2022, o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), arquivou a denúncia realizada pela campanha de Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição presidencial, que acusava o seu adversário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de ter mais tempo de inserções de propaganda eleitoral em rádios do Norte e Nordeste, caso que ficou popularmente conhecido como “Radiolão”. Além disso, o ministro negou o pedido da campanha de Bolsonaro por uma recomposição do tempo de inserção na reta final do pleito – a disputa entre Bolsonaro e Lula foi acirrada, e o tempo de propaganda eleitoral foi considerado uma vantagem importante durante a campanha.
Em sua decisão para o arquivamento, – ignorando o relatório realizado pela empresa Audiency apontando as discrepâncias, posteriormente checado e confirmado por A Investigação – Moraes justificou que a denúncia era frágil, determinando ainda a inclusão do caso no inquérito das milícias digitais, em andamento no STF.
No entanto, uma semana antes (19), o Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE-AL), condenou duas emissoras de rádio locais a transmitirem direito de resposta de um dos candidatos governo de Alagoas por terem favorecido o seu adversário – demanda semelhante à feita pela campanha de Bolsonaro e negada por Moraes.
Segundo o despacho do desembargador do TRE-AL Felini Wanderley, as rádios Farol e Francês teriam favorecido com mais tempo de propaganda eleitoral Rodrigo Cunha (UNIÂO) com relação ao candidato à reeleição do governo de Alagoas, Paulo Dantas (MDB). Além disso, o magistrado ressaltou que as rádios teriam veiculado notícias a fim de tirar a credibilidade e atacar a honra de Dantas.
Enquanto o caso julgado pelo TRE-AL se restringia à disputa estadual e apenas duas rádios de Alagoas, o TSE julgou uma ação com centenas de rádios e teve impacto em uma disputa nacional.
Tratamento privilegiado
Entre os dias 10 e 17 de outubro, reta final do segundo turno das eleições, as rádios Farol e Francês veicularam notícias que exploravam o envolvimento de Dantas com “rachadinhas” – que culminou com o seu afastamento judicial do cargo, revertido na justiça posteriormente. Entretanto, o conteúdo não era das rádios em si, mas do portal de notícias alagoano AL102 com o qual as rádios possuíam um acordo de permuta publicitária. A coligação encabeçada pelo MDB entrou com uma representação contra as emissoras, alegando propaganda eleitoral disfarçada em forma de notícia, o que caracteriza falta de isonomia entre as duas campanhas. Assim, o desembargador do TRE-AL decidiu, monocraticamente, acolher o pedido da campanha de Dantas em seu despacho:
“Está provado nos autos que essas empresas radiofônicas estão a dar tratamento privilegiado à candidatura contrária a de Paulo Dantas. Os autos bem demonstram essa prática de tentar influenciar o eleitorado indevidamente, causando desequilíbrio na disputa, com nítido abuso do meio de comunicação social. Os spots veiculados, várias vezes, aos ouvintes dessas rádios têm o claro intento de desgastar a candidatura de Paulo Dantas, com o condão de repercutir no eleitorado”.
Já no “Radiolão”, após a campanha de Bolsonaro receber inúmeros questionamentos sobre o motivo da ausência de propaganda do candidato nas rádios – sobretudo nas regiões Norte e Nordeste – o PL contratou a empresa Audiency para auditar as veiculações dos spots enviados para as rádios entre os dias 7 e 14 de outubro de 2022. A auditoria preliminarmente encontrou cerca de 154 mil inserções a menos do que o esperado, caracterizando também falta de isonomia entre as campanhas dos presidenciáveis. A campanha entrou como uma representação no TSE pedindo paridade de condições a seis dias do fim do segundo turno. Uma um repositório de arquivos foi disponibilizado no mesmo dia com parte do material contido na petição, incluindo uma amostra com 24 horas de programação completa de seis rádios diferentes para escrutínio público.
Apesar da enorme quantidade de indícios apresentados na auditoria contratada pela campanha, Alexandre de Moraes recusou, também em decisão monocrática, sem a realização de nenhuma perícia oficial do Tribunal no material entregue:
"Não restam dúvidas de que os autores – que deveriam ter realizado sua atribuição de fiscalizar as inserções de rádio e televisão de sua campanha – apontaram uma suposta fraude eleitoral às vésperas do segundo turno do pleito sem base documental crível, ausente, portanto, qualquer indício mínimo de prova, em manifesta afronta à Lei n. 9.504, de 1997, segundo a qual as reclamações e representações relativas ao seu descumprimento devem relatar fatos, indicando provas, indícios e circunstâncias."
Semelhanças e diferenças
Ambos os episódios, embora de esferas políticas diferentes, guardam similaridades notáveis. Os dois processos, além de julgados monocraticamente em suas respectivas instâncias, têm como peça central a acusação de favorecimento de rádios populares veiculando mais propagandas para uma das campanhas. O caso de Alagoas é, na verdade, uma disputa de poderosos clãs locais encabeçados, respectivamente, pelo senador Renan Calheiros (MDB), ligado a Paulo Dantas, e o presidente da Câmara Arthur Lira (Progressistas), aliado de Rodrigo Cunha, – ou seja, um “Lula x Bolsonaro” alagoano.
A Investigação teve acesso ao processo do caso das rádios alagoanas e conseguiu estimar cerca de 35 minutos de propaganda a mais para o candidato Rodrigo Cunha, que é Senador da República por Alagoas, cuja suplente é Eudócia Maria Holanda de Araujo Caldas – matriarca da família Caldas (outro clã local poderoso), que por sua vez é dona das rádios Farol e Francês, objeto do processo. Ou seja, Eudócia, que chegou a assumir a vaga de Cunha no Senado durante o pleito eleitoral de 2022, seria beneficiária direta no caso da vitória de Cunha, deixando a vaga para a suplente. Um fato curioso e brutal da biografia de Cunha é que sua mãe, Ceci Cunha, então Deputada Federal, foi assassinada em 1998 a mando do seu suplente, Talvane Albuquerque, para que ele pudesse assumir o cargo.
Apesar da semelhança no ponto central da acusação em ambos os casos, o Radiolão era muito mais complexo – abrangendo centenas de rádios, em vez de apenas duas, e ter milhares de horas de programação para serem auditadas. Ao participar da audiência pública da Comissão de Transparência do Senado em novembro do ano passado, o coordenador da campanha de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, declarou que a auditoria contratada pela campanha do PL identificou cerca de 1,2 milhão de inserções não veiculadas, o que corresponderia a 53,5 dias ininterruptos de programação, se veiculadas em uma única rádio.