Tragédia na BR-116: esquerda usa fim do DPVAT para blindar Lula e culpar direita
Pânico moral desvia atenção de esquemas bilionários de corrupção no DPVAT, com suspeitas que alcançam até o STF e o Congresso
A tragédia na BR-116, em Teófilo Otoni (MG), que resultou em 41 mortes e se tornou o maior acidente já registrado em rodovias federais, está sendo explorada como ferramenta política pela esquerda, que relaciona o fim do DPVAT à suposta vulnerabilidade das famílias das vítimas. Narrativas alarmistas e carregadas de apelos emocionais têm sido disseminadas, incluindo afirmações absurdas, como a de que nem mesmo a Santa Família seria indenizada caso Jesus Cristo estivesse entre as vítimas do acidente.
Esse tipo de discurso ilustra o conceito de pânico moral, descrito pelo sociólogo Stanley Cohen, que aponta como eventos são amplificados para manipular emoções e impulsionar agendas políticas. Essa estratégia simplifica debates complexos e, frequentemente, é usada para justificar medidas autoritárias e restrições à liberdade de expressão. Falaremos mais sobre ela futuramente.
Além de explorar o impacto emocional do tema com discursos alarmistas, essa narrativa ignora questões centrais: é preferível receber R$ 13 mil após um processo burocrático ou ter o ente querido vivo na ceia de Natal? Mais do que isso, essas abordagens desviam o foco de problemas estruturais, como a responsabilidade do governo Lula pela manutenção das rodovias federais e pela fiscalização de veículos. Ao mesmo tempo, ocultam o grave histórico de corrupção envolvendo o DPVAT – um sistema marcado por fraudes bilionárias que levantam suspeitas até mesmo sobre integrantes da Suprema Corte e parlamentares.
A verdade é que o DPVAT nunca preveniu acidentes, nunca fiscalizou rodovias e jamais garantiu segurança. Era apenas um seguro de indenização, incapaz de resolver problemas estruturais profundos das estradas brasileiras. Embora as tragédias nas rodovias não possam ser atribuídas exclusivamente ao governo Lula, elas refletem problemas históricos que demandam esforços contínuos. No entanto, transformar a dor das vítimas em um subterfúgio político, sem abordar as causas reais, não é apenas hipócrita, mas também desrespeitoso.
Enquanto recursos públicos desaparecem em esquemas fraudulentos, milhares de rodovias permanecem em condições precárias, perpetuando tragédias evitáveis. O Brasil não precisa de discursos alarmistas, mas sim de ações concretas que priorizem segurança, infraestrutura e fiscalização, garantindo que nossos entes queridos possam voltar para casa em segurança.
A responsabilidade do governo Lula
Sejamos diretos: a tragédia aconteceu na BR-116, uma rodovia federal sob a administração do governo Lula. A polícia trabalha com a hipótese de que uma pedra de granito caiu de uma carreta com excesso de peso, dirigida por um motorista cuja habilitação estava suspensa há dois anos por recusa ao teste do bafômetro. Foragido desde o acidente, o motorista se entregou à polícia na segunda-feira.
Esses elementos expõem falhas na fiscalização, responsabilidade de órgãos como a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Embora as investigações sobre as causas do acidente ainda estejam em andamento, alguns pontos são claros:
Conhecida como "Rodovia da Morte", a BR-116 é a rodovia federal mais letal do país, de acordo com dados da PRF. Em 2023, foram 740 mortes registradas. Este ano, o número já ultrapassou o total do ano anterior, com 763 mortes até agora.
Ligando Fortaleza (CE) a Jaguarão (RS), a BR-116 é uma das rodovias mais movimentadas do país, enfrentando tráfego pesado e infraestrutura degradada. Esses fatores, combinados com a ausência de fiscalização adequada, tornam tragédias como a de Teófilo Otoni cada vez mais previsíveis;
Segundo o G1, exatamente no trecho da rodovia onde ocorreu o acidente havia um radar que limitava a velocidade dos veículos a 60 km/h. Este e outros radares foram removidos recentemente por estarem com a documentação vencida;
Segundo Thyrso Guilarducci, especialista em Segurança Viária entrevistado pelo G1, a BR-116 tem diversos trechos com pistas simples de mão dupla, que incentivam ultrapassagens arriscadas. A malha rodoviária extensa e fluxo intenso de caminhões pesados, especialmente em regiões produtoras de granito no norte de Minas, fazem com que acidentes graves sejam frequentes na rodovia;
Propostas como a duplicação da BR-381 e BR-262 seguem sem execução e se arrastam há anos, enquanto melhorias nos trechos mais críticos permanecem inacabadas;
Nos últimos 17 anos, as rodovias federais brasileiras acumularam 2 milhões de acidentes, resultando em aproximadamente 120 mil mortes, segundo dados da Confederação Nacional dos Transportes (CNT). A BR-116 lidera o ranking de mortes desde 2016.
Podemos concluir que a tragédia na BR-116 não é um acidente isolado. É o reflexo de décadas de negligência, má gestão e priorização de interesses políticos sobre as vidas humanas. O governo Lula, como responsável atual pela administração federal, tem o dever moral e constitucional de agir para reverter essa realidade. Contudo, o cenário permanece marcado por promessas vazias.
Após o acidente, Lula lamentou as mortes no X, dizendo que reza pela recuperação dos sobreviventes. “A Polícia Rodoviária Federal está no local do acidente, e o governo federal se coloca à disposição da prefeitura de Teófilo Otoni e do governo de Minas Gerais para tudo o que for necessário”, escreveu. No entanto, até mesmo apoiadores do presidente o criticaram nos comentários, destacando o descaso nas rodovias federais.
O governo federal tem o controle das rodovias, dos recursos e das instituições que poderiam transformar essa realidade. Falhar em agir significa ser cúmplice de um ciclo contínuo de morte e sofrimento. Cada vida perdida nas estradas brasileiras é um lembrete doloroso de que negligência não é apenas um erro administrativo; é um crime contra os cidadãos.
Corrupção sem freio
Em 18 de dezembro de 2024, a Câmara dos Deputados aprovou a revogação do Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), anteriormente conhecido como Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), ou simplesmente Seguro Obrigatório. A medida, incluída no Projeto de Lei Complementar (PLP) 210/2024, fazia parte do pacote de ajuste fiscal proposto pelo governo federal. O texto foi aprovado por ampla maioria. O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), justificou a revogação apontando a falta de implementação da lei pelos governadores. Agora, a proposta aguarda análise no Senado Federal.
A cobrança do DPVAT estava suspensa desde 2021, quando a Superintendência de Seguros Privados (Susep) determinou a interrupção da cobrança devido a um excedente de recursos. Em 2024, com os recursos esgotados, o governo Lula propôs a criação de um novo seguro obrigatório, o SPVAT, previsto para ser implementado em 2025.
Criado em 1974 durante o governo Ernesto Geisel, o DPVAT tinha como objetivo oferecer apoio financeiro a vítimas de acidentes de trânsito. Contudo, ao longo de sua existência, o seguro foi marcado por sucessivas denúncias de má gestão e fraudes, com esquemas bilionários envolvendo autoridades públicas, incluindo suspeitas sobre ministros do STF.
Em 2015, as fraudes no DPVAT começaram a ser reveladas à partir da deflagração da Operação Tempo de Despertar, conduzida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, que estimou que os prejuízos causados por fraudes no DPVAT poderiam ultrapassar R$ 1 bilhão em todo o Brasil, com cerca de R$ 28 milhões apenas no Norte de Minas Gerais. No decorrer das investigações, o montante total de desvios foi recalculado, indicando que as fraudes poderiam superar R$ 5 bilhões.
Essas práticas criminosas incluíam a emissão de boletins de ocorrência falsos, laudos médicos fraudulentos e a participação de profissionais como médicos, advogados, policiais e fisioterapeutas. Além disso, integrantes da Seguradora Líder, consórcio formado por diversas empresas do setor que administrava os recursos do DPVAT desde 2008, também foram implicados. Segundo o delegado Marcelo de Freitas, responsável pelas investigações, essas fraudes não apenas exploravam a fragilidade do sistema, mas também eram mantidas por núcleos organizados que lucravam com a concessão indevida do seguro.
Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou falhas significativas na gestão do seguro DPVAT, apontando irregularidades que resultaram em prejuízos de pelo menos R$ 2,1 bilhões entre 2005 e 2015. Em 2018, estimativas indicavam que, sem medidas eficazes contra o monopólio da Seguradora Líder e as fraudes associadas, os desvios poderiam alcançar até R$ 10 bilhões em 2025.
Uma outra auditoria conduzida pela KPMG apontou pagamentos sem detalhamento a pessoas politicamente expostas (PEPs), como familiares e ex-assessores de ministros do STF. Segundo reportagem da Folha de São Paulo, a KPMG destacou no relatório ter identificado que a relação da Líder com vários agentes públicos não atendeu boas práticas corporativas e apresentava “risco de sanções por descumprimento à lei anticorrupção”.
Entre os casos mais emblemáticos está o pagamento de R$ 3,67 milhões ao escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça e Associados, liderado por Rafael Barroso Fontelles, sobrinho do ministro Luiz Roberto Barroso. Embora Barroso tenha se afastado do escritório ao assumir como ministro, os contratos firmados permaneceram sem explicações detalhadas.
Outro caso envolveu o advogado Mauro Hauschild, ex-assessor do ministro Dias Toffoli. Entre 2012 e 2016, o escritório de Hauschild recebeu R$ 3 milhões da Seguradora Líder, intermediado pelo escritório Stelo Advogados, investigado por suspeita de propinas. A auditoria também expôs a falta de transparência na doação de recursos para eventos promovidos por associações de magistrados, como um seminário realizado pela Escola de Magistratura em 2011, que contou com a participação dos ministros Ricardo Lewandowski e Barroso.
A operação Tempo de Despertar deu origem a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), em 2016, para dar continuidade às investigações. No entanto, o trabalho foi encerrado de forma abrupta e “misteriosa”, sem a apresentação de um relatório final ou pedidos de indiciamento. Suspeitas de influência política e a presença de membros com conflitos de interesse comprometeram a imparcialidade da comissão, indica auditoria. Como resultado, lacunas significativas no entendimento das práticas irregulares e na responsabilização dos envolvidos permaneceram, perpetuando a sensação de impunidade.
Essa insatisfação e os contínuos escândalos envolvendo o seguro levaram o governo Bolsonaro a propor, em 2019, a extinção do DPVAT por meio de uma medida provisória. No entanto, esta iniciativa foi barrada pelo ministro Edson Fachin, que alegou que a extinção não poderia ser feita por medida provisória, mas por lei complementar. Após a decisão do STF, o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), vinculado ao Ministério da Economia, editou uma resolução que reduzia drasticamente os valores pagos pelos proprietários de veículos para o DPVAT.
A justificativa para a redução foi a existência de um fundo acumulado pela Seguradora Líder de cerca de R$ 5,8 bilhões, que excedia o necessário para o pagamento de indenizações. O ministro Dias Toffoli, presidente do STF na época, suspendeu a resolução do CNSP em resposta a uma ação movida pela Seguradora Líder. Toffoli considerou que a medida do CNSP era um "subterfúgio" para esvaziar a decisão anterior do STF que havia barrado a extinção do DPVAT.
O papel dos bancos
Em 2018, o delegado da Polícia Federal Marcelo Freitas, responsável pela Operação Tempo de Despertar, denunciou durante um podcast que a reserva financeira de aproximadamente R$ 9 bilhões do Seguro DPVAT, gerida pela Seguradora Líder, estava sendo sistematicamente utilizada para beneficiar grandes instituições financeiras. Segundo Freitas, bancos como Bradesco, Banco do Brasil (em parceria com a MAPFRE), Itaú, Caixa Econômica Federal e Porto Seguro aplicavam os recursos no mercado financeiro, garantindo lucros significativos por meio dessas operações.
De acordo com o delegado, essa prática subvertia a finalidade original do DPVAT, que deveria priorizar a proteção financeira de vítimas de acidentes de trânsito e garantir o pagamento de indenizações de maneira eficiente e transparente. Em vez disso, os bancos remuneravam a Seguradora Líder com taxas extremamente baixas, inferiores a 2%, ao mesmo tempo em que utilizavam os recursos para realizar empréstimos à população, cobrando juros mensais que variavam entre 4% e 5%. Esse ciclo permitia que instituições financeiras multiplicassem seus ganhos, enquanto o fundo do DPVAT era mantido em uma lógica de baixa eficiência.
Freitas apontou que essa dinâmica colocava a Seguradora Líder em posição de "bode expiatório", desviando o foco das grandes instituições financeiras que operavam nos bastidores. Embora a Seguradora Líder estivesse sob os holofotes das investigações por ser a administradora direta do fundo, as grandes corporações financeiras que lucravam com o modelo de gestão escapavam de investigações aprofundadas ou responsabilizações legais.