Não é atacando a imprensa que a direita vencerá a guerra da informação
Ataques contra fotojornalista Gabriela Biló só enfraquecem a luta por liberdade
É compreensível a indignação com a prisão de Débora Rodrigues. Mãe de duas crianças, cabeleireira, sem histórico de violência, ela está há dois anos atrás das grades por ter escrito, com batom, a frase “perdeu, mané” na base de uma estátua durante os atos do 8 de Janeiro. Só isso. Não há provas de que tenha depredado patrimônio público, tampouco de que tenha invadido prédios ou participado de ações violentas.
Nos últimos dias, parte da direita — revoltada, com razão — passou a atacar a fotojornalista Gabriela Biló, acusando-a de ter levantado os dados de Débora e os repassado à Polícia Federal. E aqui eu preciso dizer com todas as letras: vocês estão errando o alvo. Biló não foi responsável pela prisão da Débora. No 8 de janeiro, ela estava fazendo o que dezenas de jornalistas também faziam, inclusive de direita: registrando os acontecimentos, fotografando o caos, documentando o que acontecia diante de seus olhos. Ela apenas cumpriu o seu papel, como qualquer profissional da imprensa deve fazer. Quem prendeu Débora foi a Polícia federal por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Não estou dizendo para aplaudirmos a imprensa militante. Na última semana, por exemplo, critiquei publicamente a atuação de Paulo Motoryn, repórter do The Intercept Brasil, que viajou até a Argentina com o objetivo de “caçar” brasileiros condenados pelo 8 de janeiro — entre eles, Josiel Gomes de Macedo, que trabalhava legalmente com turismo em Buenos Aires. Motoryn o abordou sob disfarce de turista, filmou sem autorização, chamou-o de “bandido”, “golpista” e “foragido” na frente de clientes e colegas de trabalho, e ainda pressionou a agência onde Josiel trabalhava a demiti-lo e denunciá-lo. O resultado? Josiel perdeu o emprego. Isso não é apuração jornalística — é arapongagem.
O caso de Motoryn é o tipo de atuação que ultrapassa os limites do jornalismo e entra no território da militância disfarçada de reportagem. E tudo se torna ainda mais grave quando se descobre que o número de telefone que ele forneceu a Josiel estava vinculado ao CPF de Gabriel Gattas Guerra — um funcionário do governo Lula, com cargo comissionado na Secretaria Nacional de Participação Social. Ou seja: trata-se de uma operação de intimidação com verniz jornalístico, em que o objetivo não é informar, mas expor, constranger, cancelar e destruir. É ativismo baixo a serviço do poder.
Ataques da esquerda
Curiosamente, a esquerda, que agora defende Gabriela Biló, repetiu o mesmo comportamento contra ela, em janeiro 2023. Na ocasião, entretanto, a fotógrafa foi atacada ainda mais ferozmente pela militância petista após a publicação de uma foto que estampou a capa da Folha de S.Paulo. A imagem, feita com técnica de múltipla exposição, mostrava o presidente Lula sorrindo e ajustando a gravata sobre um fundo com vidro trincado, após os atos do 8 de janeiro.
A intenção da fotógrafa, segundo suas próprias declarações, era retratar a resiliência do governo diante da crise. Mas isso não impediu uma reação virulenta da esquerda, que sugeriu que a imagem configurava crime e que a autora da foto deveria ser responsabilizada. A filósofa Marcia Tiburi questionou se a montagem sugeria que Lula "levasse um tiro no coração" e defendeu que a jornalista fosse "intimada a se explicar". Outros militantes foram ainda mais violentos. Um perfil da militância vermelha no X sugeriu que as pessoas descobrissem seu endereço e os horários em que ela entra e sai de casa para “homenageá-la”. Em paralelo, passou a circular uma montagem grotesca com a imagem de Biló com um tiro na testa e sangue escorrendo, simulando uma execução.
E o que fez o governo diante desse linchamento? A Secretaria de Comunicação da Presidência da República emitiu uma nota oficial condenando… a jornalista. Eis o conteúdo:
“É lamentável que o jornal Folha de S.Paulo tenha produzido e veiculado uma imagem não jornalística sugerindo violência contra o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no contexto dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.”
Ou seja: Biló foi atacada nas redes, ameaçada com doxxing, assassinada simbolicamente por militantes — e o próprio governo jogou mais gasolina na fogueira. Mas este não foi um caso isolado. A esquerda brasileira tem um histórico sólido e documentado de ataques sistemáticos a jornalistas, especialmente quando se sente contrariada ou exposta por reportagens que desafiam suas narrativas ou ameaçam seus interesses políticos.
Esse padrão de comportamento não é recente. Desde os anos 2000, o Partido dos Trabalhadores passou a reagir com crescente hostilidade à cobertura crítica da imprensa. Para justificar sua postura, criou-se o conceito de "Partido da Imprensa Golpista" (PIG) — expressão cunhada pelo jornalista e militante Paulo Henrique Amorim (1943–2019). A ideia por trás do termo era que haveria uma articulação entre grandes veículos de mídia — principalmente Veja, Globo, Folha e Estadão — para sabotar governos progressistas e favorecer as elites econômicas, especialmente durante os governos petistas.
A tese foi posteriormente reforçada por quadros do partido, como o ex-deputado federal Emiliano José (PT-BA), que descreveu o PIG como uma "força antidemocrática incansável", voltada a atacar qualquer tentativa de distribuição de renda ou políticas públicas de inclusão. Na blogosfera chapa-branca petista, a metáfora do "porco golpista" foi levada ao literal: charges e ilustrações passaram a retratar jornalistas como suínos armados, agentes da elite e inimigos do povo. Esse processo de desumanização da imprensa serviu como ferramenta simbólica de legitimação da hostilidade — inclusive da violência.
Nesse ambiente, não surpreende que tanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto o próprio PT tenham reiteradamente atacado jornalistas e veículos de comunicação, lançando mão de ofensas, tentativas de censura e deslegitimação pública.
Em 1994, ainda como candidato, Lula já demonstrava sua aversão ao contraditório. Em Uberaba (MG), antes de conceder entrevista coletiva, chamou os jornalistas de “filhos da p*ta”. Em 2004, já na presidência, protagonizou um incidente diplomático ao solicitar a expulsão do correspondente do New York Times, Larry Rohter, após reportagem que mencionava seus excessos com álcool. O governo chegou a cancelar o visto do jornalista — uma medida extrema, revertida após ampla repercussão internacional.
Os ataques verbais se intensificaram com o tempo. Em 2014, durante um comício eleitoral, Lula acusou William Bonner e Miriam Leitão de atuarem para prejudicar Dilma Rousseff, e anunciou que o PT estava em “guerra contra a imprensa”. Em 2014, a sede da Editora Abril em São Paulo, responsável pela publicação da revista Veja, foi alvo de pichações e vandalismo. O ataque ocorreu como resposta a uma reportagem da revista, que revelou que o ex-presidente Lula e a presidente Dilma sabiam dos atos de corrupção na Petrobras. As pichações de "Veja mente" e "fora Veja", feitas na calçada e paredes da entrada da Abril, foram assinadas pela UJS (União da Juventude Socialista), organização de militância jovem ligada ao PC do B. Já em 2018, durante a caravana pelo Sul do país, um repórter foi agredido por seguranças do ex-presidente ao tentar filmar hostilidades contra manifestantes contrários ao partido.
Em 2016, Andréia Sadi, repórter da Globo News, foi expulsa do Diretório do PT, em São Paulo, aos gritos de "Globo Golpista, não passarão!". No mesmo ano, Débora Bergamasco, então diretora da Revista Isto É, foi atacada por causa de sua matéria "A Delação de Delcídio". Débora foi acusada, em um artigo apócrifo publicado no blogue esquerdista Diário do Centro do Mundo, de ter um caso extraconjugal com o ex-ministro da justiça petista José Eduardo Cardozo para coletar informações para a publicação da reportagem. A mesma agressividade machista foi direcionada à jornalista Dora Kramer, que em 2019 recebeu comentários ofensivos do senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado histórico do PT.
Em 2023, já na nova administração Lula, Andreza Matais, editora do Estadão, foi atacada por militantes petistas após reportagens do jornal sobre a "Dama do Tráfico". Gleisi Hoffmann, Flávio Dino e o influenciador Felipe Neto incentivaram publicamente a perseguição — com o aval de setores da imprensa, que, em muitos casos, silenciaram ou relativizaram os ataques. Um dos nomes que engrossaram a campanha foi o jornalista Leandro Demori, hoje contratado da EBC, que incitou ataques à Andreza.
Ataques da direita
Do mesmo jeito, a direita também repete os mesmos vícios. Durante o governo Bolsonaro, jornalistas foram execrados rotineiramente em coletivas, no “cercadinho” e nas redes sociais — muitas vezes com incentivo direto do presidente. Vou contar um caso que ocorreu comigo no ano passado, que ainda não havia revelado.
No último 7 de Setembro, pude experimentar essa hostilidade direcionada à imprensa quando fui cobrir as manifestações na Avenida Paulista, a convite do canal do Mário Nawfal. Estava acompanhado da minha amiga Carol, que fazia o papel de produtora, e de um cinegrafista. Desde o início, percebia olhares desconfiados e insinuações vindas da multidão — não por conta de alguma reportagem publicada, mas simplesmente por estar ali, com microfone e câmera.
Ainda sou um ilustre anônimo, por isso, à menor suspeita, a multidão começava a se inflamar. Várias vezes alguém gritava: “É da Globo?”. A Carol respondia rápido: “Não, ele é o responsável pelo Twitter Files!”. Mas o auge da tensão veio por um detalhe ridículo: minha gravata vermelha.
Em um momento, alguém apontou: “ E essa gravata vermelha aí?? É do PT?”. Respondi com humor que era a única que eu tinha. Mas não adiantou. A maré virou rápido. Gritos de “infiltrado” começaram a se espalhar pela Avenida Paulista e logo se formou um pequeno círculo de hostilidade ao meu redor. Os gritos foram aumentando e as pessoas se inflamando.Alguns exigiam que eu tirasse a gravata. Já se aproximavam, com o corpo inclinado para frente e o dedo em riste.
Minha amiga e o cinegrafista recomendaram que eu tirasse a gravata, mas eu jamais faria isso. Eu nunca poderia me dobrar. Foi aí que me impus: “Essa gravata eu ganhei de presente. Quero ver quem vai ser o homem que vai tirar ela de mim!”. O grupo recuou. Mas a sensação de cerco permaneceu. Ao longo do dia, a cor da gravata continuou provocando olhares tortos e murmúrios, como se a cor da gravata fosse uma confissão ideológica.
Conclusão
Ok, já entendemos que ambos os lados atacam jornalistas. Então, qual é a diferença? A diferença é que, quando a direita se excede, o sistema inteiro se move rapidamente para punir o “agressor” e reforçar a narrativa da liberdade de imprensa em risco. Quando os ataques vêm da esquerda, a reação é o oposto: há silêncio, relativização ou até aplauso — e, em alguns casos, a própria máquina estatal participa da difamação.
E aqui vale lembrar: quando os atos de hostilidade ou vandalismo partem da esquerda, a Justiça costuma ser muito mais leniente. Como demonstrei em A Investigação, a esquerda cometeu 12 vezes mais invasões a edifícios públicos do que a direita nos últimos dez anos. Ainda assim, esses episódios foram tratados com indulgência ou justificados como “protestos legítimos”. Já a direita foi rotulada como “terrorista” já no próprio dia 8 de Janeiro. Esse é, aliás, o motivo pelo qual Débora Rodrigues — mãe, cabeleireira, sem histórico de violência — foi condenada a 14 anos de prisão por escrever com batom na base de uma estátua, enquanto militantes de esquerda que atearam fogo em prédios ou invadiram instituições seguem livres, sem julgamento e, em muitos casos, celebrados como “lutadores sociais”.
Essa assimetria se revela também em episódios mais recentes. Veja o caso de Natuza Nery, jornalista da Globo News. Um policial civil a abordou dentro de um supermercado — segundo ele, sem qualquer ameaça ou violência física, apenas com palavras duras. Em poucas horas, ministros do STF e o advogado-geral da União já estavam mobilizados. A imprensa entrou em modo de guerra. A Corregedoria da Polícia Civil foi acionada. O policial virou manchete nacional, foi exposto, condenado nos tribunais das redes sociais e já é alvo de procedimento disciplinar — mesmo sem prova concreta de agressão. O recado foi claro: nunca ouse mexer com um protegido do sistema.
Essa diferença de tratamento também ficou evidente no caso da jornalista Patrícia Campos Mello que, durante as eleições de 2018, publicou uma reportagem na Folha de S.Paulo afirmando que empresários ligados à campanha de Jair Bolsonaro estariam financiando disparos em massa no WhatsApp contra Fernando Haddad, candidato do PT. O conteúdo da denúncia teve grande repercussão, até uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi criada para apurar as denúncias — mas até hoje, nunca foram apresentadas provas do suposto financiamento ilegal. Mesmo assim, a matéria foi amplamente tratada como fato consumado pela imprensa, reforçada por colunistas, analistas e políticos. O próprio TSE usou o caso como pano de fundo para endurecer o discurso contra "fake news".
Mas aí veio a resposta de Bolsonaro — e foi aí que ele perdeu. O presidente insinuou que a jornalista teria tentado “dar o furo” para prejudicá-lo, num comentário com duplo sentido sexual. Pronto: bastou essa frase para que toda a razão do debate passasse automaticamente para o lado dela. Bolsonaro foi condenado a pagar R$ 20 mil em danos morais à repórter. E o sistema venceu novamente.
A direita precisa aprender a agir mais com a razão e menos com o fígado. Atacar jornalistas só reforça a narrativa da velha imprensa de que todo conservador é “violento”, “antidemocrático”, “autoritário”. Em vez de conquistar corações e mentes, esse comportamento afasta potenciais aliados e reforça o discurso do sistema que se empenha em deslegitimar qualquer oposição.
Isso não significa que não se possa criticar a imprensa. Pode e deve. Embora os jornalistas, muitas vezes, tratarem críticas legítimas como ataques, como se estivesse acima de qualquer escrutínio. Mas há uma diferença entre cobrança e perseguição, entre confronto de ideias e intimidação. E, se não soubermos fazer essa distinção, acabamos parecidos com aquilo que combatemos.
Hoje, quem defende a liberdade enfrenta uma correlação de forças extremamente desigual. Está em desvantagem no campo institucional, judicial e comunicacional. Nesse cenário, agir com inteligência, frieza e estratégia não é fraqueza — é necessidade.
Se a proposta é ser diferente da esquerda, é preciso mostrar isso na prática. E isso começa por abandonar a lógica do grito e da vingança, e recuperar o compromisso com princípios — inclusive o da liberdade de imprensa.
Concordo em número, gênero e grau. Mas creio que hoje, no nosso Brasil, a nossa imprensa precisa fazer uma reflexão sobre a sua atuação. Uma mea culpa, sobre os diversos fatos tratados com descaso, independentemente de polarização. Casos isolados nos mostram que há uma onda de difamação contra jornalistas, muitas vezes injusta. Penso que isso acontece pelo papel que grandes veículos vem desempenhando, de forma partidária, a disseminação de informações baseadas em interesses políticos, muito distante do que é considerado jornalismo. Se a mentira ou a deturpação dos fatos é considerado jornalismo, então não é jornalismo. Então a liberdade não é liberdade. Então não podemos acreditar. E veículos de comunicação precisam compreender (incluindo os jornalistas): o cliente não é quem paga o patrocínio ou o governo que coloca recursos gordos advindos do nosso bolso... o cliente é o leitor. Quando vemos a abertura do Fantástico da Globo com letras garrafais: ATOS GOLPISTAS na chamada, isso nos causa estranheza demais! Daí as manchetes de Folha, Estadão, UOL também trazem a mesma história, contada do mesmo jeito, quase que com as mesmas palavras também nos causa estranheza! E imediatamente me lembro dos Blackbloks em maio de 2017, que destruíram os prédios públicos em Brasília. Me lembro também do episódio da estátua da justiça em frente ao STF, manchada de vermelho em um ato em prol do aborto. E me lembro das manchetes dos mesmos veículos tratando os fatos como jornalismo: descrevendo os fatos, sem julgar QUEM os promovia. Então, sinto muito pelo linchamento de uma profissional como a Gabriela. Ela não merece. Mas não é um caso isolado de ataque. Outros virão. E isso é péssimo para a nossa liberdade. Mas liberdade só é o que é por conta da responsabilidade. Não existe um país livre sem uma imprensa livre. Não existe um país livre sem uma imprensa responsável. E a nossa imprensa tem sido irresponsável. Hoje, estão ao lado de interesses próprios. Na história já vimos isso antes. Hitler não chegou ao poder sozinho. Teve o apoio de políticos, juristas e, pasmem, da imprensa! A linha tênue entre uma imprensa subserviente e a tirania é da finura de uma lâmina de Gilette. Cuidado gente! Hoje o linchamento é virtual. Amanhã pode ser real!
Achei muito bom tudo que escreveu, massss a Tal da Gabriela Biló, não fez só fotografar os fatos do dia 8/01/2023. Ela caçou a coitada da Débora. Ela e sua parceira, procuraram nas redes sociais p saber quem era a Débora e onde morava. Foram até Paulinia e descobriram seu end e tudo mais. Entregaram TUDO para a PF. Porisso a Ðébora fou presa!