Exclusivo: entrevista revela possível rede de incentivo a ataques escolares
Grupos podem estar coordenando e planejando atentados em escolas, com jovens sendo recrutados e treinados. Polícia investiga.
Reportagem publicada em 22 de abril de 2023
Há duas semanas, em 27 de março, um adolescente de 13 anos assassinou a facadas uma professora de 71 anos na Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, Zona Oeste da capital paulista. Desde então, uma série de atentados e ameaças de atentados, praticados principalmente por adolescentes, tem ocorrido em escolas por todo o país, deixando a população alarmada.
Muitos questionam se são casos isolados ou se há uma rede por trás desses eventos. A existência de diversos perfis anônimos nas redes sociais, especialmente no Twitter, celebrando os ataques, levou o ministro da Justiça, Flávio Dino, a solicitar a exclusão de 431 contas da plataforma em 9 de abril, por divulgarem hashtags de apoio aos ataques. Diante da recusa do Twitter, alegando que os termos de uso permitem tal divulgação, surgiu a hashtag "Twitter apoia massacres".
Nossa equipe entrevistou um adolescente dono de um desses perfis, que afirma ter 17 anos e diz pertencer a um grupo que está organizando ataques em escolas. O jovem, que identificaremos como Jorge, afirma ter ingressado no grupo há cerca de um mês, após passar por uma espécie de seleção. Segundo ele, há um grupo de líderes orientando e coordenando os ataques, fornecendo armas como pistolas, revólveres e até fuzis.
Jorge informa que um ataque em massa estava planejado para esta quinta-feira (20), em memória aos 24 anos do ataque em Columbine, nos Estados Unidos. No entanto, o alerta após o vazamento de conversas e a presença de policiais nas escolas fizeram com que o plano fosse adiado. Jorge diz que pretende realizar um ataque em escolas até o final deste ano.
O perfil de Jorge no Twitter está atualmente fora do ar, acreditamos que possa ser um dos perfis alvo do Ministério da Justiça.
Grupo de ataques
Pardo e de classe média, Jorge acredita não poder abandonar a comunidade, pois os administradores do grupo, a quem ele chama de Líderes, o matariam. Caso não houvesse essa ameaça, o jovem diz que desistiria do ato. Entretanto, Jorge afirma, em declarações conflituosas, pretender realizar um ataque a tiros em uma escola, desejando matar o máximo de pessoas possível. Os Líderes seriam hackers, monitorando constantemente a vida dos integrantes do grupo, que se chamam de "irmãos" ou "Deeployz" (acreditamos que signifique Lealdade Profunda, em português).
Funcionando como um centro de treinamento e motivação para potenciais atiradores, no grupo os jovens seriam incentivados com imagens e vídeos de atentados "bem-sucedidos" e conteúdo violento diverso, como imagens de soldados mortos e pessoas sendo torturadas. O objetivo seria estimular os jovens a não sentirem pena de matar. Jorge afirma que os Líderes apostariam dinheiro sobre quais dos integrantes fariam mais "kills" (mortes em inglês, gíria comum em jogos de videogame).
O grupo se reuniria virtualmente um dia antes dos atentados para receberem instruções e para que os Líderes possam apagar os rastros de seus celulares, por exemplo. Para entrar na comunidade, o candidato passaria por uma "peneira" em um grupo no Telegram, a fim de identificar se é criança ou policial disfarçado. Uma vez integrado, o jovem interage com os demais participantes por meio de outra plataforma, que Jorge não revelou, mas afirmou não ser Telegram ou Discord.
Os Líderes também forneceriam armas como revólveres, pistolas e até fuzis. Estas poderiam ser fornecidas gratuitamente para integrantes que os Líderes vejam que tenham "potencial para matar muita gente", ou serem vendidas a preços que variam de 150 a 300 reais para pistolas e cerca de 5 mil reais para fuzil. Estas armas seriam deixadas escondidas em locais estratégicos, e os jovens iriam buscá-las. Jorge diz que tem treinado em fazendas e campos isolados com uma pistola calibre .38, mas afirma que receberá em breve uma pistola PT100 calibre .40.
Segundo Jorge, outros integrantes do grupo já estariam planejando cometer atentados. Um dos casos que ele cita é o do jovem de 16 anos apreendido em 11 de abril em Rio Verde - GO, após fazer ameaças de ataque com armas contra duas escolas públicas. Segundo ele, este foi pego por ter se "mostrado demais". Jorge diz que já se encontrou pessoalmente com cinco integrantes do grupo, e um deles já teria se suicidado por não ter "aguentado a pressão".
Ele também conta que a maior parte dos que estão sendo presos no momento são os integrantes do grupo que apoiam o nazismo. Segundo ele, essas seriam pessoas altamente intolerantes, sem essência e que não teriam uma causa a lutar. Embora afirme isso, Jorge diz ser um "novo tipo de nazista", que "não mata por cor de pele, diferença sexual ou religião".
"Não sou bi ou gay, mas não ligo de outras pessoas serem. E acho certo o homem e a mulher terem os mesmos direitos e deveres. Apoio a liberdade de gêneros e não acho que pessoas com pele diferente tenham que ser tratadas diferente. Todos nós nascemos e morremos, não somos diferentes", afirma.
Jorge diz que não há no grupo apoiadores do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, o primeiro seria um "ladrão ilusionista" e o segundo um "radical sem sabedoria em suas palavras". A informação contraria um relatório enviado para o grupo de transição de Lula, em 2022, que afirma que esta radicalização é exclusivamente de direita. O estudo está sendo duramente criticado por politizar os ataques em escolas e por procurar “criminalizar a direita”.
Influência
Embora a entrevista com Jorge possa conter informações falsas e desinformação, uma vez que se trata de um depoimento anônimo e proveniente de um confesso agressor, a descrição da existência do grupo organizador de ataques e a afirmação de que está sendo ameaçado para cometer atentados parecem coerentes com outros fatos já relatados.
Por exemplo, o autor do ataque em Salvador, que invadiu uma escola estadual com uma faca em 13 de abril, alegou ter sido orientado e instigado por meio de um aplicativo para ameaçar colegas e professores. O estudante de 20 anos também afirmou que supostos criminosos acessaram conteúdos pessoais e de seus familiares, passando a chantageá-lo.
Em outro caso, ocorrido em maio de 2022, três alunos da Escola Municipal Brigadeiro Eduardo Gomes, no Rio de Janeiro, foram esfaqueados por um colega de 14 anos. De acordo com o delegado responsável pelo caso, a mãe do agressor informou que ele tentou justificar sua ação alegando estar sendo ameaçado por alguém e, caso não cometesse os atos, ele e sua família correriam risco de vida.
Há também o incidente em Monte Mor-SP, onde um jovem de 17 anos lançou bombas caseiras contra uma escola, vestindo roupas pretas e exibindo uma suástica no braço. A mãe do rapaz afirmou em entrevista que a atitude do filho foi resultado de "más influências", sugerindo que outras pessoas estariam envolvidas no ataque. Ela também disse que o jovem era uma boa pessoa e acreditava que ele agiu sob ordens de alguém, justificativa semelhante à apresentada pelo pai do autor do massacre de Aracruz-ES.
No caso do Colégio Thomazia Montoro, em São Paulo, onde um adolescente de 13 anos matou uma professora a facadas em 27 de março do presente ano, os investigadores acreditam que o aluno foi incentivado ou auxiliado por duas pessoas. A justiça autorizou a quebra de sigilo do celular, do computador e do videogame do jovem, e a polícia realizará buscas com software israelense, capaz de encontrar até mesmo arquivos apagados.
Outro caso é o do ataque em Blumenau, em 5 de abril, no qual um jovem de 25 anos matou quatro crianças entre 4 e 7 anos com uma machadinha em uma creche. O autor afirmou em depoimento que foi ameaçado e influenciado por uma pessoa para realizar o crime. Entretanto, a Polícia Civil de Santa Catarina concluiu o inquérito e descartou essa hipótese, pois o policial apontado como mentor do crime não teria nenhuma ligação com o autor, que teria agido sozinho.
Fontes da inteligência policial, que investigam esses atentados, afirmam que a hipótese de haver um grupo organizado por trás dos ataques não está descartada, inclusive com a possibilidade de envolvimento de grupos internacionais. Mas as investigações seguem em diversas frentes, e vários depoimentos e materiais ainda estão sendo analisados.
Subcomunidades no Twitter
Nossa equipe conversou com Gisele Oliveira, uma estudante de direito de 23 anos integrante da True Crime Community no Twitter (TCCTWT), subcomunidade aficionada por crimes e assassinatos, que pesquisa e compila casos de ataques em escolas no perfil no Twitter @schooltragedies. Segundo Gisele, a TCCTWT não é novidade, haveria porém um "antes e um depois" do ataque de Suzano, em 2019. A estética utilizada pela dupla de assassinos (máscara de caveira e machadinha) tem sido adotada por imitadores em ataques, assim como a própria dupla teria copiado a estética de Columbine. Até mesmo o ato de relatar o plano no Twitter antes de executá-lo foi visto no caso de Suzano. Guilherme Taucci também fazia parte da comunidade no Youtube, e seu apelido "Deeployz" passou a ser utilizado pelos imitadores.
"O massacre de Suzano ganhou essa 'fama' por uma combinação de fatores: dupla, número de vítimas, crueldade, armamento e vestimenta. Acredito que as principais causas foram a exibição e divulgação de vídeos do ato e fotos tiradas pelo Taucci. Além disso, a divulgação de suas redes sociais na TV gerou uma onda de jovens se inspirando na época", diz.
Ela relata que, coincidentemente, o mesmo aconteceu no ataque ao colégio Thomazia Montoro, onde um adolescente de 13 anos matou uma professora a facadas em 27 de março. O assassino admirava o caso de Suzano, e novamente houve uma extensa divulgação de vídeos, fotos e postagens em redes sociais, resultando em uma nova onda de jovens se inspirando. Porém, neste caso, seria ainda mais fácil se inspirar, pois bastaria ter uma faca.
Caminho da Violência
Em entrevista para A Investigação, realizada em uma transmissão no Twitter Spaces em 5 de abril, o policial Igor Cavalcante – pesquisador do tema e autor do livro “Atrás das Linhas Aliadas - Active Shooters: casos de massacres no Brasil” (Clube de Autores, 2022), primeiro e único estudo específico sobre Agressores Ativos no Brasil – explicou que existem quatro fases no caminho que leva um jovem à radicalização, no que ele chama de “Caminho da Violência”. São elas:
1- Concepção:
Nessa fase, surge a ideia. O aspecto mais importante seria o efeito contágio de um caso anterior. Um dos efeitos semelhantes ao efeito contágio é o "Copycat", relacionado a assassinos seriais.
2- Planejamento:
Diferente do que se pensa, esses eventos seriam planejados por longos períodos. Cerca de 75% dos casos são planejados há mais de uma semana. Nesta fase de planejamento, é comum o agressor externar e comunicar essa vontade por vários meios, inclusive pelas redes sociais. Ele pega uma ideia que teve e começa a planejá-la de forma concreta.
3- Preparação:
Nesta etapa, o agressor começa a dar concretude ao que planejou anteriormente. Ele compra uma arma de fogo, uma faca, uma machadinha ou materiais inflamáveis. Ele busca meios para efetivar o ato. Em 40% dos casos, a pessoa adquire o instrumento exclusivamente para cometer o ato. Essa fase de preparação deixa rastros concretos que podem ser identificados prematuramente e de forma preventiva.
4- Experimentação:
O agressor começa a experimentar partes do plano, como verificar se consegue entrar com a arma no local ou ultrapassar barreiras. Essas fases costumam acontecer em sequência e são percorridas para que o agressor passe a cometer o ato de agressor ativo.
Sobre os dados, Cavalcante explica que a maioria dos agressores ativos são homens, entre 13 e 18 anos de idade, alunos ou ex-alunos da instituição atacada, e geralmente atuam sozinhos. No caso brasileiro, a maioria dos ataques é realizada utilizando armas brancas, como facas e machadinhas, mas também são utilizados explosivos e armas de fogo.
De acordo com Cavalcante, o principal ponto para evitar atos e o efeito contágio é não divulgar informações, evitando dar notoriedade, não mostrando o rosto e não divulgando o nome do agressor. Isso ajudaria na fase da concepção. Já na fase de planejamento, a comunicação é crucial. Dados dos EUA mostram que em 92% dos casos mensagens chegaram a colegas de escola e 75% mensagens foram recebidas por professores ou funcionários da escola. Segundo ele, isso mostra que a integração da comunicação entre professores, colegas e pais pode ajudar na prevenção de atos violentos.
“Na fase de preparação, o agressor costuma comprar facas pela internet, o que pode ser rastreado por meio de mecanismos físicos. Já na fase de experimentação, a situação fica ainda mais evidente, pois o agressor tenta entrar no local com o objeto. A implementação de barreiras físicas e medidas de contenção pode auxiliar na prevenção durante a fase de experimentação”, diz.