Esquerda utiliza ataques a escolas como arma política
Relatório produzido por ONG pode criminalizar direita, afirmam ativistas.
Reportagem publicada em 19 de abril de 2023
Em novembro de 2022, um jovem de 16 anos invadiu duas escolas de Aracruz, Espírito Santo, e matou quatro pessoas a tiros. Em dezembro, a ONG Campanha Nacional pelo Direito à Educação (ou apenas Campanha) elaborou um relatório para o grupo de transição do atual governo federal, analisando os ataques em escolas no Brasil.
O documento, conduzido por Daniel Cara, professor da Universidade de São Paulo (USP), dirigente da Campanha e candidato não eleito do PSOL ao Senado por São Paulo em 2018, juntamente com outros 11 pesquisadores, atribui o aumento dos casos de "active shooters" (atiradores ativos) em escolas ao crescimento da "extrema-direita", acusando-a de cooptar e incentivar jovens a cometerem ataques por meio de "discursos de ódio".
O estudo vincula a violência nas escolas ao governo de Jair Bolsonaro (PL), devido à promoção do armamento da população brasileira, e relaciona os ataques a denúncias parlamentares sobre suposta "doutrinação" no ensino. Além disso, o relatório aponta o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares como um dos fatores para o aumento de casos, considerando-o um "modelo educacional retrógrado e autoritário". No entanto, é importante destacar que esses colégios apresentam vagas disputadas, resultados excelentes e nenhum registro de ataques até o momento.
Entre as afirmações controversas do documento, está a classificação de pessoas contrárias às agendas progressistas em relação a gênero, sexo e sexualidade, e que possuem disposições tradicionalistas, pontos doutrinais dogmáticos e princípios religiosos “não negociáveis”, como radicais integrantes de grupos de extrema-direita. O texto também afirma que medidas como catracas e seguranças armados, implementadas pelas autoridades em resposta aos atentados e à onda de ameaças em escolas neste ano, seriam ineficazes e poderiam aumentar os riscos de novos atentados.
Críticas
Embora apresente-se como análise técnica e sirva como fonte de autoridade para jornais em análises e reportagens, o relatório contém, em grande parte, questões opinativas e políticas, além de dados incorretos sobre esse tipo de ataque. O documento preocupou ativistas de direita, como ex-assessora parlamentar e comentarista política Stefanny Papaiano, uma das primeiras a questionar o relatório. Segundo ela, o objetivo não seria solucionar a violência nas escolas, mas sim criminalizar a direita e censurar opiniões desagradáveis ao governo na internet.
Além disso, Papaiano destaca que os pesquisadores do relatório conheciam a existência dos grupos de ataques desde o fim de 2022, monitorando-os desde 2013, porém nenhuma providência foi tomada com relação a isso. Ela lembra de uma live de dezembro, na qual Daniel Cara afirmou que o governo Lula não priorizaria o caso das escolas e a violência em massa nos seus 100 primeiros dias de governo. Para ela, isso demonstra prevaricação e omissão do governo federal diante dos alertas de ataques nas escolas.
Outro problema mencionado por Papaiano é a manipulação política do discurso. Em live de 8 de abril de 2023, Daniel Cara afirmou ter articulado com o Secretário de Educação, Alexandre Schneider, que por sua vez articulou politicamente com a Organização das Nações Unidas (ONU), uma nota contra o escola sem partido e pela inclusão da agenda de gênero no currículo escolar: Papaiano argumenta que tais manipulações ameaçam a democracia e dificultam o enfrentamento efetivo da violência nas escolas e abuso de menores.
Papaiano argumenta que as declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e do ministro da Justiça Flávio Dino, afirmando que os ataques em escolas seguem o mesmo modus operandi das manifestações sobre supostas fraudes nas urnas e da invasão dos Três Poderes ocorrida dia 8 de janeiro, politizam o caso e demonstram desinteresse pela infância e juventude. Após o ataque em Aracruz, o ministro do STF Gilmar Mendes também atribuiu a responsabilidade do caso à flexibilização do porte de armas realizada nos últimos anos pela gestão Bolsonaro.
O empresário e ativista Leandro Ruschel também criticou duramente o relatório, escrevendo em seu perfil no Twitter que ele evidencia o aparelhamento da esquerda no ambiente acadêmico, transformando-o em extensão dos partidos socialistas, e não mais para produzir conhecimento, mas como instrumento de política partidária para perseguir e criminalizar oponentes políticos. Da academia, a narrativa de que há um fenômeno de “extremismo de direita” teria emplacado na imprensa, sendo utilizada posteriormente por ministros e outros políticos governistas.
Ruschel afirma que o objetivo seria justificar censura e perseguição aos oponentes políticos, algo já direcionado à Lei de Censura na internet. Uma das iniciativas petistas seria a proposta do deputado André Janones, notório e confesso disseminador de notícias falsas, que propôs um projeto de lei para "criminalizar o bolsonarismo", associando-o ao nazismo.
“Ao apontar para a "extrema-direita" como principal responsável pelo fenômeno, a esquerda radical no poder não apenas busca perseguir e censurar seus opositores, mas também esconder a sua própria responsabilidade na criação do problema, através da defesa de políticas anti-família, anti-religião e anti-polícia, além da busca do desencarceramento em massa, que deixa criminosos perigosos, como o de Blumenau, soltos para cometer atentados”, escreveu Ruschel.
Propostas controversas
Dentre as propostas polêmicas do relatório, destacam-se a proibição do armamento da população e até mesmo discursos a favor disso. Conforme o relatório, a facilitação e o aumento de armas nas mãos de civis desde 2018, política defendida e aplicada por Bolsonaro durante sua gestão, afetariam os direitos de crianças e adolescentes e impactariam no crescimento dos ataques de "extremistas de direita" a escolas.
Entretanto, um relatório independente produzido no final de 2022 pelo policial Igor Cavalcante, pesquisador do tema e autor do livro “Atrás das Linhas Aliadas - Active Shooters: casos de massacres no Brasil” (Clube de Autores, 2022), primeiro e ainda único estudo específico sobre Agressores Ativos no Brasil, contraria estes dados.
Ocorreram 12 ataques em escolas por active shooters durante o governo Bolsonaro, de janeiro de 2019 a dezembro de 2022. Destes casos, quatro foram cometidos com arma de fogo (35%) e os demais com armas brancas como facas, espadas, flechas, bestas, machadinhas e bombas caseiras (65%). Dentre as quatro armas utilizadas, apenas uma foi adquirida no mercado ilegal, no caso de Suzano, em 2019. Nos outros três casos, as armas pertenciam aos pais dos atiradores; em dois os pais eram policiais e em um a arma era uma garrucha antiga do padrasto. Em nenhum desses casos, o armamento veio de um CAC (caçador, atirador ou colecionador).
Há ainda seis casos não incluídos nesta lista, pois, segundo o pesquisador Igor Cavalcante, não se encaixam nos critérios de active shooter, como aleatoriedade e intenção de assassinar pessoas.
Em dois dos casos foi utilizada arma de fogo: no primeiro, um aluno de 15 anos efetuou disparos em sala de aula em Sobral-CE, em 2022, mas a perícia constatou que os tiros foram acidentais e por isso o caso foi descartado do relatório. A arma foi vendida para ele por um CAC, que tinha o seu registro. No segundo, ocorrido em Nova Lima-MG, um aluno de 20 anos efetuou disparos para cima em frente à escola, alegando querer assustar colegas. O caso não foi considerado por não haver potencial lesivo.
Há ainda um caso em Americana-SP, em 2021, em que um aluno de 13 anos efetuou disparos com uma carabina de pressão contra uma professora. O caso também não foi considerado, pois a arma de pressão usada não tinha potencial letal relevante e não ficou clara a aleatoriedade e desejo de matar pessoas.
Nos outros três casos, foram utilizadas armas brancas e também foram descartados por motivos semelhantes.
A ausência de armas não diminuiu a letalidade dos casos. No ataque à escola Gente Inocente em Janaúba-MG, em 2017, o vigia noturno Damião Soares Santos invadiu uma sala de aula, lançou combustível sobre várias crianças e funcionários, ateando fogo em seguida. Na ocasião, morreram 14 pessoas, maior número já ocorrido em um ataque a escolas no Brasil.
Portanto, medidas restritivas de armamento não necessariamente reduziram o número de mortos em ataques em escolas. Além de a arma de fogo não ser o instrumento predominante nas ações, armas brancas e artefatos incendiários se mostram igualmente letais, embora sejam mais fáceis de se obter.
A Campanha pela Educação
Fundada em 1999, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação participa de discussões e debates sobre a educação pública no Brasil, atuando na criação de leis e protocolos. Em 2016, fez campanha contra a PEC 241, ou Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos, que estabeleceu um teto para os gastos públicos no país. A Campanha alegava que a PEC reduziria recursos na área social, especialmente na educação.
Nas eleições presidenciais de 2022, a Campanha declarou apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Após a vitória do petista, Daniel Cara foi convidado pessoalmente por Fernando Haddad para integrar o grupo temático de educação no governo de transição.
Os financiadores atuais do projeto incluem a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), organização “guarda-chuva” que recebe fundos da Europa e os repassa para organizações menores no Brasil, majoritariamente de esquerda. Entre as financiadoras da CESE estão a ONG alemã Brot für die Welt - Pão Para o Mundo (PPM), uma das principais instituições internacionais financiadoras de projetos ligados ao ecumenismo ou a questões religiosas de esquerda no Brasil; a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), outra entidade guarda-chuva que também recebe recursos da Europa para repassar para outras no Brasil; e a Ford Foundation, que dispensa apresentações.
O CESE também recebe recursos do instituto Ibirapitanga, fundado pelo cineasta Walter Salles, diretor de filmes como Central do Brasil (1998) e Diários de Motocicleta (2004). (O Ibirapitanga também financia a Campanha). CESE também é patrocinado pelo Instituto Clima e Sociedade, que distribui por aqui recursos de Soros e outras instituições
A Campanha também recebe recursos do Malala Fund, organização fundada pela ativista paquistanesa Malala Yousafzai, apoiada pela Apple e Bill and Melinda Gates Foundation. Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha, integra a Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil. Outros financiadores incluem a W.K. Kellogg Foundation e as organizações guarda-chuva Terre des Hommes e Visão Mundial.
Na última terça-feira (18), Daniel Cara anunciou no Twitter que colaborava com o Ministério da Educação (MEC) na formulação da "Ação Integrada de Proteção no Ambiente Escolar" desde sábado (15). Ressaltou que o MEC solicitou apoio e colaboração de especialistas para a elaboração da política educacional lançada pelo Presidente Lula.
“Estamos construindo muitas ações. Essa colaboração remonta o trabalho que coordenei na transição governamental e reitera nosso compromisso com as escolas de todo o Brasil. Vamos em frente!”, escreveu Cara.
A Investigação entrou em contato com a Campanha, mas até o momento da publicação, não houve retorno.