"Argentino da live" usou indevidamente pesquisa brasileira para alegar fraude eleitoral
Indiciado pela PF, Fernando Cerimedo usou dados preliminares sem autorização para alegar fraude durante transmissão viral "Brazil Was Stolen" em novembro de 2022.
No dia 4 de novembro de 2022, poucos dias após a realização do segundo turno das eleições presidenciais, o estrategista político argentino Fernando Cerimedo realizou uma transmissão em seu canal La Derecha Diario, intitulada “Brazil Was Stolen” (Brasil foi roubado). Durante a transmissão, Cerimedo apresentou um relatório que indicaria fraudes nas urnas eletrônicas brasileiras, alegando que os modelos mais antigos das urnas não teriam passado por testes de segurança adequados e sugerindo discrepâncias estatísticas entre esses modelos e os mais recentes.
As alegações feitas pelo argentino rapidamente viralizaram no Brasil, especialmente entre os apoiadores de Jair Bolsonaro, que passaram a disseminar as informações nas redes sociais. A hashtag #BrazilWasStolen figurou entre os assuntos mais comentados no Twitter no mesmo dia, ampliando ainda mais a repercussão da transmissão. Nomes influentes como o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e o pastor Silas Malafaia compartilharam trechos da transmissão, cobrando esclarecimentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e sugerindo que as alegações fossem investigadas.
O TSE reagiu rapidamente, não para investigar as informações, mas para desmentir as declarações feitas por Cerimedo. Em nota oficial, a Corte classificou as alegações como “completamente infundadas” e reafirmou a segurança do sistema eleitoral, garantindo que todos os modelos de urnas passaram por auditorias e testes públicos de segurança. O caso também chamou a atenção do Supremo Tribunal Federal (STF), que incluiu Cerimedo no inquérito sobre os ataques ao sistema eleitoral. Em 2024, o argentino foi indiciado pela Polícia Federal, tornando-se o único estrangeiro entre os 37 acusados de disseminar desinformação sobre o processo eleitoral brasileiro.
No Relatório do Golpe, que investiga uma suposta tentativa de golpe após as eleições, a PF acusa o Instituto Voto Legal (IVL) e o estatístico Éder Balbino, da empresa Gaio Innotech, de terem vazado o material utilizado na transmissão. O IVL, contratado pelo Partido Liberal (PL) para auditar os dados do TSE, contou com Balbino para o processamento técnico dos arquivos LOG das urnas, por meio da plataforma Gaio.io.
A acusação da PF se baseia em um rastro digital no Google Drive, onde o nome de Balbino aparece como responsável pela “última modificação” do arquivo. Para os investigadores, isso seria prova de vazamento deliberado do relatório para Cerimedo. No entanto, Balbino explicou que o registro foi gerado automaticamente ao copiar o arquivo para baixá-lo, sem qualquer alteração ou compartilhamento, e negou qualquer ligação com o argentino. Rocha, presidente do IVL, também negou qualquer envolvimento com a transmissão de Cerimedo ou com sua narrativa.
Ainda que o material apresente similaridades com as análises do IVL, este material foi produzido por outro pesquisador brasileiro sem conexões como o IVL e que não autorizou a utilização por Cerimedo em sua transmissão. A Investigação entrevistou, com exclusividade, o responsável pelo relatório, que prefere não ser identificado. Ele revelou bastidores do caso, relatou como o material foi vazado e criticou a forma como foi utilizado. O pesquisador afirma que o documento era apenas um estudo preliminar, sem elementos conclusivos. Segundo ele, os dados analisados apontavam discrepâncias estatísticas entre modelos de urnas, mas ainda não possuíam a robustez necessária para sustentar alegações taxativas de fraude.
Nossa reportagem entrou em contato com Fernando Cerimedo para que ele pudesse apresentar seu lado dos fatos, mas até o momento não obtivemos retorno. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
Estudo preliminar transformado em narrativa
O relatório foi elaborado como parte de um esforço independente para identificar possíveis problemas estatísticos nas urnas eletrônicas, especialmente nos modelos mais antigos. Segundo o pesquisador, a investigação começou após uma pista anônima, que apontava para uma discrepância entre urnas mais antigas – de modelos como 2015, 2013, 2011, 2010 e 2009 – e o modelo 2020, o mais recente utilizado nas eleições de 2022.
“A pista sugeria que havia algo diferente no comportamento entre os modelos de urnas, e essa comparação foi o que começamos a perseguir,” explicou o pesquisador. Ele contou que analisou dados de diferentes regiões do país e identificou uma diferença uniforme de até 6% nos votos registrados em zonas que utilizavam urnas mais antigas e também o modelo mais novo. Para essas comparações, foi necessário observar zonas eleitorais onde os dois modelos estivessem presentes. “Nos lugares em que isso foi possível, encontramos essa diferença estatística. Era um ‘cheiro’, não uma prova.”
O pesquisador destacou que os modelos mais antigos – 2015, 2013, 2011, 2010 e 2009 – compartilham características tecnológicas muito semelhantes, enquanto o modelo 2020 apresenta avanços significativos, como maior capacidade de processamento e armazenamento, além de um perímetro criptográfico mais robusto. Ele acrescentou que a análise refinada eliminou fatores regionais como explicação para as discrepâncias, reforçando a ideia de que o padrão de diferença de 6% estava ligado ao tipo de urna, e não ao local onde eram utilizadas. “Esse padrão persistia mesmo em regiões geográficas equivalentes, onde a comparação entre os dois modelos era possível.”
Produzido com recursos de uma vaquinha organizada pelo pesquisador e seus colaboradores, o documento foi compartilhado em um grupo de WhatsApp restrito. Antes que o estudo fosse finalizado, ele acabou vazando. O material chegou às mãos de Cerimedo, que o usou em sua transmissão ao vivo.
Fernando Cerimedo já era conhecido por sua atuação em campanhas de direita na América Latina, tendo posteriormente trabalhado como estrategista digital para Javier Milei, atual presidente da Argentina. No Brasil, ele manteve laços estreitos com a família Bolsonaro e chegou a receber Eduardo Bolsonaro em Buenos Aires antes do segundo turno das eleições de 2022.
Na transmissão, Cerimedo fez afirmações taxativas sobre a pesquisa e os dados produzidos pelos brasileiros. O pesquisador lamentou o uso indevido do relatório. Ele explicou que o estudo nunca foi desenvolvido com a intenção de sustentar acusações definitivas. “A apresentação do argentino foi um desastre. Ele não entendia o que estava apresentando. Transformaram uma análise preliminar em um documento conclusivo.”
Reações institucionais
Logo após a transmissão, o TSE desmentiu as alegações apresentadas por Cerimedo, reafirmando a segurança e a auditabilidade de todos os modelos de urnas utilizados no pleito. Para o pesquisador, a repercussão negativa dificultou qualquer tentativa de se avançar em pesquisas mais sérias sobre o sistema eleitoral, e a controvérsia apenas piorou o cenário. O uso precipitado do relatório por Cerimedo, segundo ele, "alimentou uma narrativa de desinformação que deveria ter sido evitada".
Para o pesquisador, o episódio prejudicou sua credibilidade e obscureceu questões legítimas sobre o sistema eleitoral. Ele reconheceu que há limitações nas urnas mais antigas, especialmente no acesso ao código-fonte, mas reforçou que a etapa de totalização é segura e transparente. “O problema está no acesso às urnas antigas, mas isso não justifica transformar análises estatísticas preliminares em teorias de fraude”, concluiu.
Suspeitas adicionais sobre o sistema do TSE
O pesquisador destacou que o TSE demonstra uma transparência impressionante na etapa de totalização dos votos, a ponto de ele não acreditar na possibilidade de fraude nessa fase do processo. No entanto, ele questionou a falta de transparência em outros aspectos, como o acesso ao código-fonte das urnas. “Mas a questão que fica é: por que, de um lado, a totalização é tão bem feita e transparente, mas, por outro, não há acesso ao código-fonte e outros elementos permanecem obscuros?”, ponderou.
Além das análises estatísticas, o pesquisador levantou outros pontos que considera suspeitos no sistema eleitoral brasileiro. Ele mencionou um relatório elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2014, que já alertava para possíveis fragilidades no sistema. De acordo com ele, as investigações conduzidas à época também questionavam a transparência de processos internos, como o acesso ao código-fonte das urnas e a integração de modelos diferentes em regiões eleitorais.
Outra descoberta citada pelo pesquisador foi uma “porta dos fundos” encontrada no sistema do TSE. Segundo ele, a informação foi compartilhada por um hacker, que indicou uma vulnerabilidade que permitiria acesso remoto ao sistema. “Era uma porta escancarada, com nome de domínio e tudo”, relatou o pesquisador, sem, no entanto, confirmar que a falha tenha sido explorada para manipular votos.
Ele também destacou o problema da falta de acesso ao código-fonte das urnas mais antigas, o que dificulta uma auditoria completa do sistema. Apesar disso, elogiou a robustez da etapa de totalização. Segundo ele, o registro de cada etapa do processo, desde a digitação do título do eleitor até o depósito do voto, é altamente auditável e dificulta adulterações.
Está muito mal explicado essa questão da "etapa de totalização ser segura e transparente" mas que há "falta de transparência no acesso ao código fonte das urnas".
A confiança na totalização provém de existir o BU Impresso Conferível pelo Eleitor que permite auditoria feita de forma INDEPENDENTE DO SOFTWARE do equipamento usado nessa etapa, o que não é possível na outra etapa do processo eleitoral eletrônico (a etapa do registro e apuração dos votos nas urnas) já que as máquinas de votação de 1a geração do TSE não produzem o Voto Impresso Conferível pelo Eleitor para serem usados na Contagem Pública dos Votos (ou auditoria feita de forma independente do software das máquinas de votação).
Enfim, pelo Princípio da Independência do Software em Sistemas Eleitorais a apresentação do "código fonte das urnas", mesmo se feita com mais transparência, não resolveria a falta de transparência da etapa de registro e apuração dos votos.
Em resumo, o sistema eleitoral brasileiro, que contrária a Constituição Federal (ah, esqueci que essas normas, a CF, foram deixadas de lado, me desculpem). Ela está do jeito que precisa ser para o lado "forte" do Brasil - com apoio externo- "TOMAR O PODER". como precisamente prometeram e cumpriram com total transparência, às vistas de todos os frouxos e pacíficos cidadãos, e dos agora subartenos ao PCC, Forças policiais federais e melancias armadas